A propaganda negativa
é parte integral da paisagem das campanhas eleitorais brasileiras, como
de resto acontece em todo o mundo. Trata-se de um fenômeno que mobiliza
paixões do eleitorado. A cada vez que um candidato lança um ataque
mais forte contra seus adversários, seguem-se lamentos sobre o baixo
nível das campanhas. Quando os candidatos resolvem jogar limpo
e se concentram na discussão de temas ao invés de se atacarem uns
aos outros, contudo, critica-se a campanha como fria e desinteressante.
Por outro lado, a campanha negativa brasileira tem especificidades interessantes.
Algumas delas se prendem ao formato específico que a propaganda política
no rádio e na televisão adotou no país. A campanha negativa
é veiculada gratuitamente, em blocos, no Horário Gratuito de Propaganda
Eleitoral (HGPE), ou em
spots veiculados nos intervalos comerciais. Ela
é fortemente influenciada por uma gramática da propaganda política
que vem se desenvolvendo no país há décadas. E, não
menos importante, ela é regulamentada e objeto de controle e de sanções
por parte da Justiça Eleitoral brasileira. Diante de tudo isso, não
deixa de surpreender que o fenômeno tenha permanecido praticamente ignorado
pela bibliografia acadêmica brasileira. Pelo menos, até a publicação
deste livro.
Em
Feios, Sujos e Malvados, Fabro Steibel pinta um quadro abrangente e
original do fenômeno da campanha eleitoral negativa. O seu argumento se
desenrola em quatro partes. A primeira situa conceitualmente a campanha negativa
e debate a sua importância do ponto de vista do debate sobre a qualidade
da democracia. Na segunda, o autor lida com as tentativas do judiciário
brasileiro de regulamentar a campanha negativa, a partir do paradigma do direito
de resposta. Os dois capítulos seguintes analisam o fenômeno da propaganda
negativa tendo em vista um exemplo concreto: as eleições presidenciais
de 2002. Na terceira, o autor discute os critérios utilizados pelo tribunal
eleitoral para distinguir o que é legítimo e o que é condenável
na campanha negativa. Na quarta, enfim, ele repassa as principais estratégias
de campanha negativa utilizadas pelos candidatos à presidência em
2002. Em todos eles, o livro apresenta contribuições importantes.
Para começar, chama a atenção o esforço do autor em
definir rigorosamente o que se entende por campanha negativa. Fugindo do simplismo,
ele sustenta que por detrás de um fenômeno aparentemente homogêneo
se escondem três tipos de práticas completamente distintas em seu
significado e seu impacto eleitoral: a comparação, a crítica
e o ataque. Dos três tipos, dois se orientam por uma lógica essencialmente
argumentativa, e só o ataque se configura como um ataque
ad hominen
contra os adversários.
A importância do capítulo seguinte vai muito além do fenômeno
da campanha negativa por si mesmo. Ao lidar com o modo como o Judiciário
atua como fiscal da propaganda negativa, o texto explora uma questão que
assume a maior relevância nos dias de hoje: o papel crescentemente ativo
que os agentes do Poder Judiciário têm reivindicado exercer como
intérpretes e mediadores dos assuntos políticos. No caso específico
da campanha negativa, a atuação do Judiciário brasileiro
se estrutura em torno da categoria de Direito de Resposta. A importação
de um dispositivo destinado a proteger o indivíduo contra o abuso dos meios
de comunicação para mediar a disputa política no rádio
e na televisão se constitui como um traço profundamente original
da justiça eleitoral brasileira.
A discussão sobre o modo como este dispositivo é operacionalizado
na prática é desenvolvida no capítulo seguinte, talvez o
mais original de todo o livro. Nele, o autor analisa tanto as solicitações
de direito de resposta movidos pelos candidatos à presidência em
2002 quanto às decisões jurídicas. Ficam claras as dificuldades
que os juízes enfrentam em seu processo decisório, não apenas
por conta dos prazos muito estreitos, mas também pela ausência de
uma base sólida de critérios compartilhados pelos juízes.
O último capítulo se vale das categorias elaboradas no capítulo
2 para analisar as estratégias dos candidatos à presidência
de 2002.
Em linhas gerais, o autor apresenta uma contribuição original e
muito importante à pesquisa sobre a propaganda política na televisão.
Ele apresenta um quadro mais complexo do que o usual acerca do público
a que se destina a propaganda política no rádio e na televisão.
Para além do eleitorado, dos políticos e da imprensa, os programas
políticos têm que levar em conta os gostos de um público bastante
especializado que tem grande poder de decisão sobre os rumos da campanha:
os juízes eleitorais. Ao decidir o que é lícito e o que é
abusivo na propaganda eleitoral, estes agentes têm um impacto decisivo na
campanha eleitoral. Entender o modo como eles atuam e como definem o seu papel
político se apresenta como um desafio muito importante para todos os que
querem entender a natureza da democracia nos dias de hoje.
Afonso
de Albuquerque
Professor de graduação e pós-graduação do curso de Comunicação Social da Universidade
Federal Fluminense (UFF).