capa do livro

Imprensa e política no Brasil

A militância jornalística do proletariado

Lincoln de Abreu Penna

O que se pretende neste livro é expor, em linhas gerais, a pesquisa que venho desenvolvendo sobre os periódicos de conteúdo político e ideológico, comumente denominados “imprensa de opinião”, e que retratam a visão de mundo dos jornais e revistas de orientação comunista e popular-progressista, bem como dos periódicos operários e socialistas, que desde o século XIX, com periodicidades sempre irregulares, até meados do século XX, influenciaram as correntes referidas. A junção das tendências popular-progressistas mencionadas se deve à possibilidade de se distinguirem tendências populares, que fizeram história ao longo do processo político brasileiro, de outras não tão progressistas, mas que se valeram do uso indiscriminado do termo popular.

Para começar, a expressão destacada entre aspas no parágrafo anterior sugere, desde logo, um questionamento, pois, se há uma “imprensa de opinião”, haveria, em contrapartida, uma imprensa de informação? Essa dualidade implica a aceitação de que a primeira subordinaria o objetivo primacial da segunda, a informação, aos caprichos dos pontos de vista de seus responsáveis, em uma clara alusão, portanto, à existência de uma ideologia a orientar os leitores. Mas foi dessa maneira que durante muito tempo, e até hoje, a imprensa empresarial e de fortes vínculos com o grande capital se referia aos demais órgãos que não se situavam na esfera desses interesses. Voltarei mais adiante a essa referência de natureza ideológica.
Antes, gostaria de mencionar que me apoiei na obra de Gramsci, em especial em seu conceito de “intelectual orgânico”, para meu quadro teórico. A escolha não é tão aleatória assim. Ela parte de uma premissa, a de que esse conceito encerra, na prática, o exercício da ideologia dominante. Se a hegemonia – outro conceito basilar do filósofo italiano – é a capacidade de direção, diz Gruppi, “pode-se dizer que a hegemonia do proletariado realiza-se na sociedade civil, enquanto a ditadura do proletariado é a forma estatal assumida pela hegemonia”. Contudo, ambos não podem prescindir da orientação orgânica dos agentes intelectuais.

Tomo emprestado esse conceito da mesma forma que ­Gramsci o fez em relação ao de Príncipe em Maquiavel. Assim, quando o autor de Cadernos do cárcere adota a perspectiva de que o novo Príncipe não pode ser um indivíduo, dada a complexidade do mundo e das sociedades de classe mais bem definidas no estágio em que se encontrava o capitalismo, é possível dizer-se, penso eu, o mesmo em relação à aplicação do conceito de “intelectual orgânico”. Em outras palavras, independentemente da existência de quadros que desempenhem essa função, não se descarta a possibilidade de identificarmos os “intelectuais orgânicos coletivos”. Nesse sentido, proponho que a imprensa partidária possa desempenhar a mesma função, com um elemento adicional de importância: é um instrumento que difunde, congrega e articula as informações necessárias para o desempenho desse papel, isto é, de veicular os conteúdos ideológicos.

De todos os objetos e fontes passíveis de serem pesquisados no âmbito dos estudos de história política, os periódicos possuem uma característica bastante instigante. Se nos documentos mais diretamente vinculados a expressões de natureza política – tais como os manifestos, os programas partidários ou as atas de congressos de entidades associativas, por exemplo – o caráter ideológico é imanente, está explícito nesses “discursos”, o mesmo não acontece tão claramente na imprensa. Salvo aquela que se assume como representação de uma organização, os “órgãos oficiais”, o que ocorre é que existe um compromisso velado a favor da informação, dado que é esta a função de um periódico, não importa a sua tendência. Isso ressalta mais ainda a importância do estudo da ideologia e de suas manifestações, mascaradas ou não.

Marx é a referência fundamental para os estudiosos da ideologia, a partir de uma visão que representa a falsa consciência e, em conseqüência, um sentido negativo. Lenin e Gramsci, irmanados em torno da idéia de hegemonia (mais bem trabalhada pelo último em razão de situações históricas específicas que o levaram a produzir o estudo sobre a “questão meridional”), foram os que levaram o método de análise proposto pelo fundador dessa questão a aplicações concretas. Como dizia Lenin, “a análise concreta da situação concreta”, a essência mesmo do marxismo. Nesse sentido, a abstração gnosiológica produzida por Marx permitiu sua adequação a realidades múltiplas, nem sempre percebida por seus seguidores, muitos dos quais preferiram reproduzir suas análises ignorando a força de seu método.

Nesse método se encontra a chave interpretativa do mundo, das situações históricas gerais ou específicas e da compreensão das forças sociais, que entram em relação conflituosa ou complementarmente aos seus impulsos e interesses de classe. Há uma passagem preciosa em Lenin que teria sugerido pistas para que Gramsci levasse adiante o seu estudo sobre as realidades distintas da sociedade italiana e a adoção, por isso mesmo, de formas de luta – “guerra de movimento e guerra de posição” – igualmente distintas, de acordo com as situações específicas. A passagem é a seguinte:

O imperialismo significa superação dos limites dos Estados nacionais por parte do capital, significa extensão e agravamento da opressão nacional sobre uma nova base histórica. Precisamente disso resulta que nós devemos ligar a luta revolucionária pelo socialismo ao programa revolucionário na questão nacional.


Essa referência motivou-me a considerar a “aliança tática e tácita” ocorrida entre os comunistas e a esquerda não comunista de concepção nacionalista, trabalhista ou simplesmente progressista, por meio de veículos de imprensa coetâneos com essa imprensa orientada pelo PCB, na época a principal referência comunista no Brasil. Sabe-se que, mesmo diante de linhas políticas mais ou menos estreitas existentes entre 1948 e 1960, os sindicalistas comunistas e trabalhistas forjaram, na prática, ações conjuntas, cujo exemplo mais significativo foi a vitoriosa “Greve dos 300 mil” trabalhadores na cidade de São Paulo.

Ainda respaldado em Gramsci, pode-se dizer que a convergência do nacional-desenvolvimentismo com o projeto da revolução nacional e democrática dos comunistas criou as condições para a formação do “bloco histórico” capaz de implementar a superação da dominação imperialista no Brasil. Se, para Portelli, o “bloco histórico” é a articulação interna de uma situação histórica determinada, no caso do Brasil, até meados do século XX, essa articulação se deu em torno do ideário do nacionalismo, seja na sua acepção “populista” ou trabalhista ortodoxa, seja na concepção libertadora de um projeto de soberania nacional, de modo a romper as amarras internas e externas. E se ele se constitui em torno de um sistema hegemônico das classes dominantes, no Brasil do segundo governo Vargas até o governo Jango, tal articulação atravessou classes e compôs-se em torno de bandeiras reformistas voltadas para a arregimentação de forças populares como sustentáculos às reformas tanto do sistema quanto das estruturas.

“Imprensa” e “Política” são vocábulos cujos significados em muito se aproximam, uma vez que em ambos está contida a idéia de sociabilidade. Nesse sentido, falar em imprensa política torna-se redundante, pois não há hipótese de um veículo de comunicação deixar de ter uma conotação política, uma vez que a imprensa expressa idéias e estas são sempre necessariamente políticas. Da mesma forma, a política se faz através de atos de significado e amplitude sociais, cuja repercussão alcança maior dimensão quando registrada e tornada pública.

A imprensa tal como a conhecemos surge nos tempos modernos, como uma forma impressa de fazer circular opiniões acerca de acontecimentos próprios à sociabilidade, em uma época em que os meios de comunicação eram escassos em comparação com os que hoje estão disponíveis ao exercício das comunicações interpessoais. Assim, o surgimento dos jornais, na forma de panfletos, permitiu a circulação de informações provindas, quase sempre, do desejo de alguns de tornar de domínio público seus pontos de vista.

A multiplicação dessa forma de se comunicar possibilitou o aparecimento do que se convencionou designar como imprensa artesanal; relativamente precária, tecnicamente falando, mas cada vez mais densa no que se refere às matérias que passaram a circular com alguma regularidade, em meio a outras inovações que começavam a modificar certos hábitos e costumes, principalmente nos centros onde se operavam os processos derivados da Revolução Industrial. E com esse processo a acelerar os processos de produção e a interferir na vida das sociedades industriais, imprensa e política tornam-se cada vez mais irmanadas.

E na medida em que começava a se massificar a política nos espaços públicos, também crescia essa maneira de fazer chegar à opinião, que, por si só, é de evidente natureza política, até porque ninguém opina para si próprio. Em pouco tempo, essa imprensa ganha igualmente os benefícios dos novos engenhos a serviço da humanidade, e, com isso, se transforma, mediante a adoção de recursos técnicos e tecnológicos. Surge, então, a imprensa empresarial, mais do que nunca política e ideológica, porquanto surgira concomitantemente uma opinião pública decorrente da expansão da ação política e dos periódicos.

A preocupação de alguns grupos empresariais de qualificar seus produtos jornalísticos, distanciando-se dos jornais a guardarem ainda formas panfletárias, fez surgir uma falsa diferenciação: “imprensa de informação” e “imprensa de opinião”. O objetivo dos ideólogos da imprensa industrializada e a serviço de interesses econômicos e financeiros empresariais foi o de separar os jornais que representavam esses interesses, como se estes fossem exclusivamente voltados para informar o leitor, dos “outros”, os panfletários, que estariam tão-somente interessados em difundir os seus conteúdos opinativos. Difunde-se, assim, a idéia errônea de que a opinião distorce necessariamente a informação. Assim, o que até hoje se chama “grande imprensa”, de um lado, e “imprensa alternativa”, de outro, nada mais é do que o desdobramento de uma estratégia de desqualificação dos jornais, à luz de uma perspectiva que procura criar um modelo ou um padrão de jornalismo impresso.

Com o tempo, a mesma lógica buscou distinguir as instituições das entidades organizativas da sociedade, de modo a sugerir tratar-se de entes que diferem em suas funções. Desse modo, em razão de as primeiras, as instituições, serem perenes e intocáveis, verdadeiras garantias para o bom funcionamento da sociedade e de seus cidadãos, logo, elas se situariam em um patamar acima de qualquer suspeita. O mesmo, no entanto, não se poderia dizer das outras, oriundas de impulsos nem sempre legítimos e, por vezes, até impróprios ao bom funcionamento democrático, vale dizer, institucional, dessas mesmas sociedades. A sociabilidade ganhara, dessa maneira, um parâmetro, uma norma, que se impôs acriticamente. As instituições zelam pela ordem, ao passo que as instâncias não institucionais estariam potencialmente a serviço de interesses contrários.

“Costuma-se dizer que o jornal de hoje já é história amanhã. Além disso, não são pouco os jornalistas que usam argumentos históricos em interpretações de fatos atuais.” Com essas palavras, o professor e jornalista Fernando Segismundo refere-se à relação íntima e inseparável entre história e jornalismo, ou fatos de natureza histórica e imprensa, sobretudo se aplicados às situações que configuram o que se convencionou designar como história política. Assim, é possível encontrar, ao lado da ação de grupos políticos com propósitos revolucionários, reformistas ou, ao contrário, reacionários a presença de jornais a dar-lhes sustentação política, e a servirem de veículos com vistas a difundirem ideais de mudanças ou de apelos à ordem. E ao acompanharmos a trajetória dessas publicações, ao longo do tempo em que serviram a esses intentos, estamos diante de fontes das mais legítimas para compreendermos os fatos que se sucederam.

No Brasil, o processo de instauração da relação entre a “grande imprensa”, a tal informativa e supostamente “imparcial”, e a “pequena imprensa”, a tão conhecida panfletária, teve seu início remoto quando da vinda de panfletários franceses oriundos dos movimentos revolucionários que aquele País conhecera ao longo dos tempos das revoluções burguesas. Trouxeram não apenas suas idéias, como as primeiras tipografias. Os movimentos abolicionistas e republicanos enxertaram de traços locais os ideários já difundidos pelo jornalismo revolucionário das folhas impressas, muitas das quais escritas em suas línguas de origem. Predominou, até o advento do regime republicano, a imprensa dita de opinião, porque na verdade eram jornais que reproduziam projetos idealizados por seus responsáveis. Antes de se avançar na análise do caráter dessa imprensa opinativa e ideológica, marcadamente presente na história da imprensa brasileira, cabe uma digressão, ainda que longa, sobre a imprensa operária e socialista, portanto, de forte conteúdo opinativo e doutrinário, que se produziu no País desde o século XIX.
Como forma de dar atualidade ao levantamento de títulos e características da imprensa operária brasileira, caberia acrescentar a presença, já nos primeiros anos do século XX, dos anarcossindicalistas e anarquistas em geral, bastante influentes no movimento operário brasileiro, fato não ocorrido no século XIX, praticamente inexistente. Daí a ausência por parte de Evaldo Garcia de qualquer referência aos anarquistas. Contudo, a grande mudança desse panorama é exatamente a imprensa anarquista. Não que mudassem essencialmente os grandes temas da imprensa operária, mas a ela se acrescentaram o combativo enfrentamento, ou como salientava em seu próprio título um jornal dessa orientação, “a guerra social”, na luta de classes travada contra o patronato.

De resto, acrescente-se que foram feitas algumas inserções no texto original do autor do artigo no qual se fundamenta este texto, com vistas a dar mais subsídios históricos às muitas considerações pertinentes constantes da versão da qual tomou o autor deste trabalho a base referencial. Em conseqüência, o registro que se faz nessas linhas iniciais tem como objetivo prestar uma homenagem a quem buscou sistematizar a produção periódica do movimento operário brasileiro em sua fase gestacional. O que se fez no texto que ora se apresenta foi tão-somente tornar público um trabalho que as condições políticas e institucionais impediram que fosse prosseguido.

O surgimento da imprensa operária corresponde a um estágio relativamente avançado de evolução do movimento operário. Evidentemente, a publicação de um jornal, mesmo de pequeno formato, ou de uma revista, ou, ainda, de um simples boletim, exige que ao menos um reduzido grupo de pessoas tenha adquirido consciência de sua integração em uma classe social ou em um grupo social bem caracterizado, com interesses econômicos e sociais próprios.

A imprensa operária, por isso mesmo, não constitui a primeira manifestação, em documentos impressos, da consciência de classe referida. Essa manifestação se concretiza primeiramente por meio de notas, proclamações e simples enunciados de idéias, que vêm a aparecer nos próprios jornais das classes dominantes ou de grupos sociais intermediários. Sob esse aspecto, caberia considerar, no caso brasileiro, de um lado, principalmente, a imprensa liberal exaltada, com seus pequenos jornais, freqüentemente de linguagem desabrida, mas que refletiam, mais de perto, as reivindicações de camadas mais pobres da população, e, de outro lado, a imprensa estudantil ou, como então se dizia à época, as publicações acadêmicas, que, em muitos casos, não se caracterizavam pela moderação de atitudes, nem pela timidez das idéias.

Congregando pessoas para os trabalhos de redação, impressão e distribuição, estabelecendo diálogo com número não pequeno de leitores, e mesmo dando-lhes expressão e forma, e ao mesmo tempo reagindo em face desses pontos de vista e idéias, suscitando debates que se ampliavam e se aprofundavam – a imprensa operária, daí por diante, desempenhará sua função de mobilizadora e organizadora de massas e de orientadora e impulsionadora do movimento operário. Pode-se dizer que os jornais operários atuavam e continuam a atuar como instrumento de difusão das pautas sindicais, sem esquecerem a situa­ção de classe explorada pelos interesses do capital, de fundamental importância para o conhecimento da questão operária.

A imprensa operária é, assim, uma das formas associativas do movimento operário, mas não a primeira, cronologicamente. De fato, no Brasil, como em toda parte, as primeiras associações operárias, que se organizaram sob a influência de padrões que provinham dos grêmios de ofícios medievais – uma influência que se fez sentir, todavia, mais na forma do que no conteúdo –, eram associações meramente beneficentes, que apenas se propunham proporcionar modesto auxílio às famílias dos artesãos e operários associados, quando estes vinham a falecer. A finalidade de tais associações veio se ampliando, porém, à medida que a classe operária crescia em número e se adensava nos principais centros urbanos do País, à medida que seus elementos mais esclarecidos alcançavam concepções novas, menos estreitas, a respeito do regime econômico, social e político a que se achavam submetidos. As associações operárias passaram, então, a ter dupla finalidade essencial, assim definidas nas próprias expressões dos estatutos de uma das associações operárias brasileiras de maior significado no Segundo Reinado, a Imperial Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais de Recife, fundada a 4 de novembro: a) ”a prática de mútua e recíproca beneficência; b) a ilustração e progresso das classes artísticas”. Em uma terceira fase de sua evolução, as associações operárias passaram a ter como finalidade precípua a defesa das reivindicações econômicas dos respectivos grupos profissionais. Em uma quarta fase, finalmente, inaugurada no Brasil em 1890, ainda segundo Evaldo Garcia, a classe operária veio a alcançar a forma superior de sua organização em partido político próprio e independente.

Ainda que os empregados no comércio – ou, como então se dizia, os caixeiros ou, coletivamente, a classe caixeiral, não constituíssem propriamente parte da classe operária, mas por se tratar de elementos assalariados, o presente levantamento abrange as publicações que os mesmos empregados lançaram e mantiveram, de norte a sul do País, para afirmação de seu progresso intelectual e para a defesa de seus interesses específicos. Cabe-lhes, aliás, como se verá mais adiante, a primazia do lançamento do primeiro jornal brasileiro pertencente a grupo social assalariado. Apenas, em virtude de condições de sua existência social, não lhes caberia a posição de grupo de vanguarda do movimento operário, porquanto não se encontravam ligados à produção.

O levantamento realizado por Evaldo Garcia da imprensa operária e socialista brasileira do século XIX compreende 300 itens, dos quais 146 correspondem ao primeiro período da história dessa mesma imprensa e do movimento operário brasileiro, período esse que se prolonga até 1889, concluindo-se com a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República; as outras 154 publicações periódicas pertencem ao segundo período, que se inicia em 1890, com pujante ascenso do movimento operário. Quanto às publicações relativas à primeira metade do século XX, o quantitativo foi deixado de lado em razão do interesse mais qualitativo do desempenho dessas folhas de caráter político a expressarem interesses tanto operários propriamente ditos quanto sindicais. No que diz respeito a este último aspecto vale salientar que a ausência praticamente de legislação sindical no Brasil até os anos de 1930 não impediu que reivindicações dessa natureza fossem acordadas ou conflitadas entre setores da classe operária e o empresariado.

Esse levantamento, diz Evaldo Garcia, baseia-se, essencialmente, em consulta direta a centenas de publicações existentes em bibliotecas públicas, bem como em estudos sobre a imprensa brasileira, mencionados na bibliografia adiante indicada. Nem sempre foi possível, entretanto, por meio de verificação direta, estabelecer-se precisamente o caráter de determinadas publicações, nem tampouco obter as informações mínimas que se faziam necessárias no atual estágio das pesquisas sobre o assunto. Há de se registrar o importante acervo do Arquivo Operário e Sindical Edgard Leuenroth da Unicamp/SP. Como liderança operária e sindical, Edgard Leuenroth foi também um “intelectual orgânico”, e passou boa parte de sua vida reunindo e guardando periódicos e panfletos relativos ao movimento operário do período em que viveu.

O presente levantamento tem, portanto, afirmava Evaldo Garcia em seu texto original, caráter preliminar e provisório. Em relação a cada publicação são dadas apenas algumas informações essenciais, as quais, em numerosos casos, são, aliás, as únicas obtidas até agora. Impõe-se, assim, um longo e meticuloso trabalho de revisão e completação do levantamento realizado. De revisão, por meio da qual se confirmem ou se retifiquem as informações ora consignadas, e se confirme ou não a inclusão dessa ou daquela publicação no catálogo provisório estabelecido; portanto, em diversos casos, a deficiência de informações disponíveis pode ter ocasionado algum equívoco de classificação. O trabalho de completação visaria, de um lado, a incluir no catálogo as publicações que, também por deficiência de informações, não tenham sido, porventura, consideradas pertencentes à imprensa operária e socialista brasileira, e, de outro lado, a reunir, a respeito de cada publicação, e segundo metodologia moderna de catalogação, as informações mínimas necessárias em tal caso, como, por exemplo, as referentes a dimensões, número de páginas e de colunas em cada página, endereço da redação, nome da tipografia impressora, tiragem, número de edições lançadas, data da última edição etc.

Na realidade, por várias razões não mais será possível completo êxito nessa tarefa. De muitas publicações talvez restem apenas referências em documentos. Os exemplares existentes em bibliotecas públicas – e a começar pelo valioso acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – raramente compõem coleções completas. De numerosas publicações há exemplares dispersos nos mais diferentes pontos do País. As coleções particulares certamente não são numerosas e não compreendem grande volume de publicações. Em tais condições, se fosse possível organizar-se, inclusive, por iniciativa particular, um Instituto Brasileiro de História Social, no qual houvesse uma sessão dedicada à documentação referente ao movimento operário brasileiro, poder-se-ia empreender um trabalho de restauração e recomposição, inclusive com reproduções das coleções das publicações em causa, e não se deveria tardar a fazê-lo, porquanto, em muitos casos, os exemplares existentes começam a desfazer-se ao serem manuseados.

Esse levantamento mostra que a imprensa operária e socialista brasileira do século XIX, bem como as de parte do século XX, embora representada, quase sempre, por publicações efêmeras, revestiu-se de importância e significação maiores do que geralmente se tem suposto. Na realidade, a escassez de recursos financeiros não permitiu, muitas vezes, que as publicações alcançassem mesmo o segundo ou o terceiro número. Em outras vezes, os recursos financeiros, reunidos por meio de coletas entre os próprios operários, eram suficientes apenas para fazer-se uma única edição de pequeno jornal ou revista; daí o aparecimento, com certa freqüência, de números únicos comemorativos. As publicações não alcançavam longa duração, como têm os importantes órgãos de imprensa das classes dominantes, mas, como demonstração da autenticidade e da vitaliciedade do movimento operário brasileiro, aparecem e reaparecem aqui e ali, a breves intervalos, formando um fluxo praticamente ininterrupto, e de tal forma que, a partir de 1866, não houve um só ano em que ao menos duas publicações novas não fossem lançadas pela classe operária brasileira. No período de 1890 a 1893, o número de publicações novas é de 15, no mínimo, em cada ano.

Ainda que de tal forma incompleto, esse inventário objetiva, assim, de um lado, oferecer um roteiro para estudos de história do movimento operário e socialista brasileiro, e, ainda, das idéias políticas surgidas e vividas por elementos pertencentes às diferentes classes e grupos sociais que compõem o povo brasileiro, que se tem suposto, infundadamente, ter sido menos importante do que realmente foi, e cuja efetiva significação na vida social e política do País ainda está por ser completamente avaliada.

Há inúmeras observações a se fazer, mas, sem dúvida, uma observação interessante refere-se aos títulos das publicações operárias brasileiras. Há títulos que se repetem muitas vezes, como que indicassem certa preferência. Assim, no catálogo provisório ora apresentado, os títulos mais freqüentes são: O Artista, que aparece em 34 publicações diferentes; O Operário, em 28; O Trabalho, em 24. A própria incidência desses títulos se deve, naturalmente, à presença de um tipo de trabalho e de trabalhador característico dos tempos em que a industrialização ainda coexistia com o trabalho artesão, em face de o País viver em uma sociedade ainda marcadamente pré-industrial ou, quando muito, de industrialização bastante incipiente.

Os títulos indicam, de certo modo, o caráter e o sentido político das publicações: realmente, não pode haver dúvida quanto a jornais denominados O Operário, O Proletário, O Socialista, Jornal dos Tipógrafos, Gazeta Operária. Alguns títulos, bem expressivos, sugerem ao menos tendência política: O Brado da Miséria, O Grito dos Pobres. Entretanto, deve-se assinalar que, sob a Regência, a imprensa liberal exaltada lançou publicações que, não obstante seus títulos – por exemplo, O Anarquista Fluminense, O Grito dos Oprimidos –, não mantinham direta relação com a classe operária e suas aspirações sociais e políticas. Aliás, nessa época, não se poderia mesmo considerar senão em germe a consciência de classe dos pequenos agrupamentos de operários e artesãos então existentes no País. Por outro lado, durante a primeira fase do movimento operário brasileiro, determinadas publicações humorísticas ou sobre a vida da sociedade ainda puderam adotar títulos que lembravam fantasmas perigosos: O Carbonário, O Incendiário, O Anarquista, O Comunista. Já a partir da segunda fase do movimento operário (1890/1900), ninguém mais adotou tais denominações senão a sério: torna-se realmente perigoso lembrar esses fantasmas ...

Foi somente a 3 de agosto de 1837 que começou a ser publicado em Salvador, Bahia, o primeiro jornal brasileiro pertencente a grupo social assalariado: O Defensor dos Caixeiros. O Brasil vivia o regime das regências e agitado pelas revoltas que haviam ocorrido em seu território, e um segmento mais esclarecido de suas elites dominantes pensava os rumos do País.

Para Evaldo Garcia, foi em 1840 que se iniciou no Brasil a fase de propaganda do socialismo fourierista, por influência da atuação de dois ativos partidários da doutrina, vindos da França naquele ano: Benoit-Jules Mure, médico, com projeto de instalação, no Brasil, de uma “colônia societária” e respectivo falanstério, segundo os preceitos estabelecidos por Charles Fourier; e Louis Léger Vauthier, engenheiro contratado para a execução de obras públicas pelo governo da Província de Pernambuco. Em torno de um e de outro, formaram-se respectivamente, no Rio de Janeiro e em Recife, grupos de intelectuais, que vieram a promover o lançamento das primeiras publicações socialistas brasileiras. O centro da atuação de Benoit-Jules Mure situou-se na instalação e na luta pela sobrevivência da “colônia societária” no Saí, em Santa Catarina, no período de janeiro de 1842 a setembro de 1843, voltando a situar-se no Rio de Janeiro, a partir desta última data até o seu regresso à França, em 1848. A atuação de Louis Léger Vauthier teve por centro a cidade do Recife, durante todo o tempo de sua permanência no Brasil, ou seja, de setembro de 1840 a novembro de 1846.

Por influência do grupo socialista fourierista do Rio de Janeiro, o editor Manuel Gaspar de Siqueira Rego começou a publicar em Niterói, a 1o de agosto de 1845, o primeiro jornal socialista brasileiro, O Socialista da Província do Rio de Janeiro, que era editado três vezes por semana e circulou até agosto de 1847. Nele colaboraram principalmente Benoit-Jules Mure, João Vicente Martins e Edmond Tiberghien. A divulgação da doutrina socialista, por intermédio desse jornal, foi, entretanto, bem reduzida, em virtude de haverem se tornado particularmente intensas e absorventes as atividades profissionais dos principais integrantes do grupo, engajados a fundo na campanha de difusão da teoria e da prática da homeopatia, campanha essa em que se sustentaram continuadas e violentas polêmicas.

No ambiente pré-insurreicional de Pernambuco, na época, a atividade do grupo socialista fourierista, formado em torno de Louis Léger Vauthier, veio a desenvolver-se de modo mais amplo, mais duradouro e mais significativo. Desse grupo projetou-se a personalidade marcante de Antonio Pedro de Figueiredo, que veio a ser o diretor e principal redator da revista O Progresso, lançada em julho de 1846. Dessa revista, que adquiriu posição de excepcional relevo na imprensa pernambucana da época e que se destaca notadamente na série de periódicos socialistas brasileiros, publicaram-se 11 números, o último dos quais datado de setembro de 1848. O trabalho de divulgação doutrinária de Antonio Pedro de Figueiredo prosseguiu, aliás, até 1859, ano de sua morte.

É fora de dúvida que a difusão das idéias socialistas em Pernambuco, a partir de 1840, contribuiu consideravelmente para que as questões sociais e políticas fossem, então, mais claramente definidas para que as facções em luta adquirissem maior consistência ideológica, para que os horizontes políticos se ampliassem, alcançando a perspectiva da evolução política em escala internacional, e, finalmente, para que as posições políticas se radicalizassem. Gilberto Freire e Amaro Quintas têm-no demonstrado cabalmente.

São evidentes os pontos de contato, no domínio ideológico, entre o socialismo fourierista e a “esquerda da Praia”. Por outro lado, elementos das camadas mais pobres da população pernambucana, inclusive artesãos e operários, lastreavam o movimento praieiro, constituindo toda uma área operária praieira que veio a suscitar o aparecimento de jornais de inspiração liberal extremada e dedicados àquela parte da população de Pernambuco. Assim, em 1847, sob intensa agitação política, publicaram-se no Recife, por breve período, O Proletário e O Artista, semanários praieiros exaltados.

Derrotado o movimento armado praieiro – que se iniciara a 7 de novembro de 1848, com a formação do contingente que, sob o comando de João Paulo Ferreira, rumou de Olinda para Igaraçu, e se prolongara, através de múltiplas vicissitudes, até a rendição dos últimos grupos combatentes, em Água Preta, a 4 de abril de 1849 – aquela mesma área operária praieira substituiu, entretanto, com vigor político, a ela se vinculando os jornais O Artista Brasileiro, O Artista Pernambucano e O Brado da Miséria, o primeiro publicado em 1850 e os dois últimos em 1853.

Igualmente sob inspiração da política liberal, publicaram-se O Artista Brasileiro, no Rio de Janeiro, em 1849, e O Artista Nacional, em Salvador, em 1856. Ambos expressavam essa tendência que refletia, contudo, muito o quadro político local, não tendo nos casos examinados um discurso que pudesse ser configurado como de caráter nacional.

A 10 de agosto de 1856, teve início a publicação, no Rio de Janeiro, do primeiro jornal brasileiro propriamente operário: O Eco da Imprensa, semanário editado por tipógrafos e tornado porta-voz da mais importante associação operária brasileira do século XIX, a Imperial Associação Tipográfica Fluminense, fundada a 25 de dezembro de 1853.

Os tipógrafos constituíram o grupo de vanguarda do movimento operário brasileiro, durante o século XIX. Vivendo nos centros urbanos mais adiantados do País, conhecendo por dever de ofício tudo quanto se publicava – livros, revistas, jornais –, mantendo contato cotidiano e permanente com o debate das idéias filosóficas e políticas, com as criações da intelectualidade brasileira, e sofrendo diretamente também as privações e dificuldades que permeavam a vida da classe operária, era natural e inevitável que os tipógrafos brasileiros assumissem, desde o início, a posição de vanguarda do movimento.

Assim, resultando infrutíferas as gestões que promoveram durante vários meses, em 1857, visando à melhoria de salário, os tipógrafos das principais oficinas gráficas do Rio de Janeiro, que eram as oficinas dos principais jornais, romperam, a 8 de janeiro de 1858, as negociações que vinham mantendo com os proprietários das citadas oficinas, e decidiram lançar-se à greve, a primeira greve efetiva de que há notícia no Brasil. Para que a população da cidade não ficasse sem jornais, os tipógrafos em greve começaram a publicar, em 10 do mesmo mês de janeiro, O Jornal dos Tipógrafos, órgão diário de grande formato e de elevado padrão intelectual e gráfico, com todas as seções habituais dos grandes jornais da época. Cerca de três meses, de janeiro a março de 1858, durou a greve, e por todo esse tempo esse jornal circulou, marcando um ponto alto na história do movimento operário brasileiro e de sua imprensa. Dedicado, embora, fundamentalmente, a reivindicações econômicas imediatas, O Jornal dos Tipógrafos não deixou de refletir aspirações de reforma social. Até mesmo os pseudônimos de redatores do jornal expressavam essas aspirações: “Brutus”, o símbolo da resistência republicana e democrática contra a tirania, e “Gracchus”, símbolo da reforma social em marcha.

Ainda em 1858, publicou-se em Salvador O Artista Nacional, o segundo desse nome. No período 1860-1869, foram lançadas 20 novas publicações operárias, já se estendendo essas manifestações desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul. Mereceu destaque entre essas publicações, em ordem cronológica: O Eco dos Artistas, que se publicou no Rio de Janeiro, em 1861; O Artista, de São Luís, em 1862-1863; o Jornal dos Artistas, do Rio de Janeiro, em 1862-1863; a Revista Tipográfica, do Rio de Janeiro, em 1864; O Tipógrafo, do Rio de Janeiro, em 1867-1868; Democracia, de São Paulo, em 1867-1868, e O Artista, de São Luís, em sua segunda série, em 1868-1869.

A Revista Tipográfica, do Rio de Janeiro, de periodicidade quinzenal, tendo por diretores Luís José de Carvalho Chavy, M. B. de S. Machado e L. F. Bernard, tornou-se igualmente porta-voz da Imperial Associação Tipográfica Fluminense.

Foi, entretanto, com O Tipógrafo, do Rio de Janeiro, do qual o primeiro número saiu a 28 de outubro de 1867, que a imprensa operária brasileira veio a ter outro marco de especial significação. Sob a direção de Pedro José Ribeiro, O Tipógrafo desenvolveu, com extraordinária combatividade, invulgar lucidez e rigorosa objetividade, tenaz campanha pelas reivindicações imediatas dos operários tipógrafos. Rara vez se poderá ver, na imprensa operária brasileira do século XIX, tão expressivo exemplo de jornal propugnador dos interesses da classe.

O semanário Democracia, que começou a publicar-se em São Paulo a 1o de dezembro de 1867, ocupa igualmente lugar de destaque na história das idéias políticas no Brasil. Em sua edição de 13 de junho de 1868, pode-se ler a seguinte declaração programática:

A redação desta folha professa a doutrina liberal em toda a sua plenitude e propõe-se a discutir as seguintes teses que julga do maior interesse para a real e futura grandeza do Brasil: aliança federativa republicana da América, absoluta liberdade de consciência e de culto, de ensino, de imprensa, de comércio, de indústria, de associação e reuniões pacíficas; abolição da escravatura, de exércitos permanentes, da Guarda Nacional, da pena de morte e da religião do Estado; política eletiva; emancipação colonial; temporalidade do Senado; desenvolvimento comercial, agrícola, industrial e artístico; descentralização e reformas administrativas, sobre a base desenvolvida do processo eletivo; sufrágio universal, eleição direta. Em uma palavra: em política sustenta as idéias republicanas; como socialista – a democracia cristã.

Essa declaração programática representa sensível avanço em relação ao programa liberal radical defendido pelo jornal A Opinião Liberal e pelo Clube Radical, e que teve extraordinária repercussão na vida política do País.

A 1o de março de 1868 começou a circular, em sua “segunda série”, O Artista, de São Luís, semanário dirigido por Fernando Luís Ferreira. A respeito, Joaquim Serra fez a seguinte apreciação: “Era publicação assaz interessante e de muita utilidade. Sustentou porfiada luta em favor das classes operárias e instituiu largo e luminoso debate sobre variados assuntos de interesse provincial.”

No período de 1870 a 1879, em consonância com a intensificação do processo de industrialização do Brasil e o conseqüente desenvolvimento do proletariado, o movimento operário brasileiro assumiu proporções mais vastas. Progrediu, ao mesmo tempo, o processo de aguçamento de sua consciência de classe. Tornou-se mais ampla a difusão das idéias socialistas.
Elemento indicativo de mais intensa atividade do movimento operário está em haverem sido lançadas, no decênio em causa, 46 novas publicações, contra apenas 20, no decênio anterior. Aumentou, igualmente, o número de cidades, em diferentes províncias, em que se publicaram jornais da classe operária.

Por outro lado, ganhou vigoroso impulso, no mesmo período, a campanha pela abolição do regime escravista, campanha essa a que a classe operária brasileira sempre foi particularmente sensível, emprestando-lhe invariável apoio. Foi esse igualmente o período de formação e consolidação do Partido Republicano, fundado a 3 de dezembro de 1870.
Das publicações operárias do período 1870/1879 destacaram-se, por exemplo, O Artista, em sua “terceira série”, lançada no Rio de Janeiro, e não mais em São Luís, a 27 de novembro de 1870, sob a mesma direção e orientação; A Tribuna Artística, que se publicou no Rio de Janeiro, em 1871-1872; O Trabalho, de Recife, quinzenário dirigido por Antonio de Souza Pinto e Generino dos Santos, que circulou em 1873.

Nova forma associativa do movimento operário, a do clube político, surge no Rio de Janeiro, em 1873, com a organização do Clube Literário Quarto Estado, que publicou o semanário O Povo, do qual o primeiro número saiu a 4 de outubro daquele ano.

Das publicações operárias lançadas em 1875 cabe destacar a Gazeta Artística, do Rio de Janeiro, semanário; O Eco do Artístico, de Recife, semanário igualmente, que circulou até fins de 1876; e, em particular, a Gazeta dos Operários, do Rio de Janeiro, jornal diário, que começou a circular a 22 de novembro de 1875.

Em 1877, há a assinalar o semanário Liga Operária Baiana, de Salvador, lançado a 1o de janeiro desse ano e que se publicou até fevereiro de 1878; a Liga Operária, de Recife, também semanário, e O Proletário, do Rio de Janeiro, que começou a circular a 7 de outubro de 1877.

O ano de 1878 assinala um momento de grande significação na história do movimento operário e socialista brasileiro. Não apenas o movimento operário prossegue em sua marcha ascendente, mas organizam-se clubes socialistas em diferentes pontos do País e desenvolve-se intensa atividade de divulgação doutrinária. Mais ainda, os agrupamentos socialistas lançam seus jornais, os primeiros a adotarem ostensivamente o título de socialistas, desde 1847, quando deixara de circular O Socialista, da Província do Rio de Janeiro. Não mais se trata do socialismo fourierista, mas de movimento que tinha consonância com o que se desenvolvia principalmente na Europa, onde, sob crescente influência marxista, assumia posição de vanguarda do movimento operário internacional o partido socialista da Alemanha, então sob a liderança de Wilhelm Liebknecht e August Bebel. Assim, publicaram-se no Brasil, em 1878, simultaneamente, três semanários socialistas: O Internacional Socialista, de Salvador, do qual foram editados pelo menos 15 números; O Socialista, do Rio de Janeiro, que começou a circular a 20 de julho de 1878; e O Tribuno Socialista, de Pelotas.

Das publicações lançadas em 1879, as de maior importância foram O Operário, de Recife, que começou a circular a 17 de maio, e, em particular, O Trabalho, do Rio de Janeiro, cuja primeira edição data de 31 de agosto. O Trabalho teve por diretor e principal redator Júlio Ladislau, tipógrafo que, com notável esforço, veio a alcançar nível intelectual invulgar na época e que, com moderação, mas com firmeza e elevação, desenvolveu múltipla atividade em defesa dos interesses da classe operária.

O decênio 1880-1889 caracteriza-se no Brasil, no plano político, por crescente agitação a propósito do problema social mais importante da época – o da escravidão – e do problema institucional – o do regime monárquico. A situação evoluiria até um clímax em que vieram a ocorrer a Abolição e a Proclamação da República. Nesses acontecimentos capitais, a classe operária brasileira teve participação expressiva e constante.

Da marcha progressiva do movimento operário brasileiro, no decênio em causa, dá conta o número de seus novos órgãos de imprensa: 67 novas publicações em comparação com as 46 do decênio anterior. As associações operárias multiplicam-se, surgem clubes ou grupos de escopo mais amplo, não apenas culturais e beneficentes. Finalmente, amadurece a idéia de formação de partido político, independente, especificamente da classe operária.

Dentre as publicações operárias brasileiras do decênio em causa cumpre destacar a Gazeta Operária, do Rio de Janeiro, que saía duas vezes por semana e que começou a publicar-se a 8 de janeiro de 1881; O Operário, publicação semanal, também do Rio de janeiro; L’Operaio Italian, do Rio de Janeiro, semanário que deu começo à série de jornais brasileiros em língua italiana, dedicados à classe operária, que então recebia contingentes consideráveis provenientes de imigração. Em 1882, os tipógrafos de Fortaleza, em greve, publicaram A Greve; em Salvador, começou a publicar-se, a 21 de julho, O Socialista, semanário; no Rio de Janeiro, em dezembro desse mesmo ano, aparecia o primeiro número de Niilista. Em 1883, há a destacar O Trabalho, de Ouro Preto; O Operário, de Niterói; e O Artista, do Rio de Janeiro, este último sendo órgão da Imperial Associação Tipográfica Fluminense. Em 1884, há a destacar O Proletário, de Salvador, e, em sua segunda fase, a Gazeta Operária, do Rio de Janeiro, sob a direção de José Francisco da Veiga. Sob o título O Socialista, publica-se em Paraisópolis, Minas Gerais, de 1885 a 1888, um semanário sob a direção de Antonio F. Grilo. Igualmente, em 1885, publica-se o segundo periódico carioca com esse título.

Na série de publicações ainda do decênio em causa, vieram a destacar-se a Revista Tipográfica, de Florianópolis, dirigida por Luís Neves e que se publicou em 1887-1888; O Artista, Recife, semanário dirigido por Cirilo Ribeiro e que circulou de 1º de abril de 1888 até princípios de 1891; A Confederação Artítica, de Belém, jornal diário, que começou a circular a 15 de julho de 1888; O Grito dos Pobres, de São Paulo, “órgão da plebe”, dirigido por Luciano Gomes de Souza, e cujo primeiro número saiu a 28 de abril de 1889. O lugar de maior realce, todavia, cabe à Revista Tipográfica, do Rio de Janeiro, que circulou de março de 1888 a fevereiro de 1890, sob a direção de Luís da França e Silva, tipógrafo que veio a tornar-se o primeiro grande líder do movimento operário brasileiro.

Quando a Revista Tipográfica, do Rio de Janeiro, começou a ser publicada em março de 1888, a organização político-partidária do Império estava reduzida a escombros, em conseqüência do desenvolvimento avassalador da campanha abolicionista, que havia cindido de alto a baixo os partidos políticos tradicionais – o conservador e o liberal – e inclusive o Partido Republicano. Na realidade, formara-se, de um lado, o partido abolicionista, que congregava monarquistas e republicanos, conservadores e liberais, elementos de todas as classes e grupos sociais, das mais diferentes tendências filosóficas e políticas, sob a palavra de ordem precisa e decisiva, lançada por André Rebouças: “Abolição imediata e sem indenização”. De outro lado, formavam-se os adversários da abolição imediata do regime escravista, pertencentes também aos diferentes partidos políticos e que, não mais podendo defender abertamente tal regime, declaravam-se “evolucionistas” e pugnavam por que a abolição do regime escravista se fizesse de forma gradual e mediante indenização. Conforme foi referido, a classe operária brasileira teve participação ativa e constante na campanha sob a liderança no Rio de Janeiro, do Centro Abolicionista, organizado por tipógrafos.

Também por essa época, e, sobretudo, após a Abolição, intensificou-se notavelmente a propaganda republicana. Cumpre ressaltar que os elementos de vanguarda do movimento operário apoiaram e prestigiaram principalmente o que Duvitiliano Ramos denominou “esquerda republicana”, constituída de profissionais liberais de formação pequeno-burguesa, que julgavam dever o País realizar reformas sociais e políticas de mais longo alcance do que pretendiam os dirigentes do Partido Republicano, em regra até mais conservadores do que determinados líderes monarquistas, como Joaquim Nabuco e André Rebouças, e que terminaram por instaurar no País a “república dos fazendeiros de café”. Faziam parte, então, da “esquerda republicana” exatamente elementos que desenvolviam a mais intensa e vibrante campanha de propaganda republicana e enfrentavam, nas praças públicas, as “guardas negras” e a polícia. Citam-se entre esses líderes da “esquerda republicana”: Lopes Trovão, Silva Jardim, Pedro Tavares, José Leão, Júlio Ribeiro, Pessanha Povoa, Vicente de Souza.

Sob esse ambiente de intensa agitação social e política e de ascenso do movimento popular, Luís da França e Silva, por meio das páginas de Revista Tipográfica, tornada órgão líder da imprensa operária brasileira, dá expressão e forma à idéia que por certo amadurecia na classe operária: a da criação de partido político próprio e independente. Assim, já na edição de 24 de novembro de 1888, da citada publicação, dizia Luís da França e Silva:

As classes laboriosas, como parte integrante da nação, têm o direito de imiscuir-se nas questões que se agitarem no País, pela livre manifestação do pensamento. Errôneo anda, em nossa opinião, todo aquele que entende ser dever do operário não sair da obscuridade de sua oficina; não é este o exemplo que nos dão os operários de países adiantados como a Inglaterra, França, Bélgica, e Alemanha, que, com a pena e com a palavra nos comícios populares, também educam e guiam a opinião. Somos folha de classe, e por isso mesmo temos o dever de dizer o que pensamos sobre esse ou aquele fato. Desde que não façamos isso, será reconhecer em nós mesmos a nenhuma importância que temos no País, quando somos dele uma força e um poder.

Não tomaremos posição definida nos partidos políticos militantes, mas, na luta entre eles travada, seremos claros e precisos no enunciar da nossa opinião.


Clareza e precisão, firmeza e lucidez, combatividade e tenacidade caracterizarão, de fato, a atuação de Luís da França e Silva na luta pela organização do partido político específico da classe operária brasileira. Nesse sentido, alguns dias mais tarde, na edição de 8 de dezembro de 1888, da Revista Tipográfica, Luís da França e Silva prossegue em suas formulações, verdadeiramente lapidares para a época:

As classes operárias do Brasil não têm tido até hoje um programa, um desígnio, um norte, enfim, por se acharem fragmentadas entre os partidos políticos militantes.

Entretanto, são as classes laboriosas aquelas que não vivem do favor de governos, a força, da vida do País e não obstante vivem privadas de tomar parte nos banquetes da nação.
Diante da nova ordem de coisas e da nova face que nos anuncia um regime completamente novo nos costumes, julgamos não cometer uma ousadia aconselhando a criação de um novo partido, saído exclusivamente do elemento operário do País e ao qual se dê o caráter puramente democrático.

Uma vez congregadas e arregimentadas as forças, é claro e intuitivo que em todos os corpos de caráter eletivo existentes no País teremos uma voz que pugne pelo nosso direito.

Por essa orientação se guiará a atuação de Luís da França e Silva. Assim, continuando sua pregação dos dias que se seguiram imediatamente à proclamação do regime republicano – entusiasmo que, aliás, não o fez deixar de ver as limitações próprias da nova ordem de coisas –, sua frase é incisiva: “Já dissemos e repetimos: o nosso partido é o partido operário.”
Sob essa idéia central, o movimento operário brasileiro iniciou sua segunda fase.

Se o número de periódicos multiplicou-se após a República ao término do século XIX, tal movimento não refluiu nos primeiros anos do século XX, ao iniciar-se uma nova fase da produção e difusão da imprensa operária e socialista brasileira. O crescimento das formas organizativas do movimento operário ensejou o aparecimento de novas folhas. Estas apareciam ora por ocasião de greves operárias, ora por encontros promovidos à revelia das autoridades. Ainda que os jornais surgidos a partir do século XX continuassem a ter um caráter efêmero, a influência por eles exercida já alcançava setores não operários, de tal modo que o poder de irradiação contaminava os estratos intermediários de uma sociedade extremamente conservadora.

Com os grandes congressos ocorridos em 1906 e 1912, os congressos operários brasileiros, a imprensa operária ganhara forte impulso. A tiragem aumentara, muito embora a efemeridade continuasse a marcar, em grande parte, por conta não apenas de dificuldades financeiras, mas de uma repressão continuada e sem trégua. Registrem-se, na impossibilidade de enumerar todo o vastíssimo número de jornais surgidos com o século XX, alguns que marcaram indelevelmente a força propulsora do movimento operário brasileiro. O Echo do Mar, do Rio de Janeiro, apareceu em 1909, órgão das associações de marinheiros e remadores e da União dos foguistas, cujo redator-chefe era Eduardo de Lima, e sua sede à rua da Saúde, no 167. O Correio Operário apareceu no ano seguinte, em 1910, dirigido por Hermes de Olinda, em pleno processo da primeira eleição competitiva para a presidência da República. A Guerra Social, periódico anarquista, como se autodenominava, tinha sua sede à Travessa Dias da Costa, no Rio de Janeiro, e era administrado por João Arzua. Seu surgimento aconteceu em 1911, e bastaria um trecho de seu primeiro editorial para deixar claro o conteúdo que iria imprimir em seus números:

O Nosso Ideal. Razões e escopo do socialismo anarquista.

A sociedade atual está dividia em duas classes principais: a dos poucos que possuem hereditariamente a terra e toda a riqueza social, e a da grande massa, privada dos instrumentos de trabalho e da terra, e obrigada por esse motivo a deixar-se roubar e oprimir pelos proprietários. Os explorados são forçados a abandonar a maior parte do produto do seu trabalho e vêem muito reduzida a sua possibilidade de adquirir, bem inferior à suas necessidades.

No mesmo ano de 1911, um sem-número de publicações iria às ruas em uma demonstração de pujança do movimento operário e socialista brasileiro. O jornal A Plebe seria um desses periódicos, cuja presença junto às reivindicações mais sentidas dos trabalhadores se tornaria uma constante ao longo do tempo em que circulou. Cabe ainda destacar O Gráphico, órgão da Associação Gráfica do Rio de Janeiro, que veio a público em 1916 e circularia até 1919. Também O Debate, cuja primeira aparição se deu no mês de julho de 1917, pouco antes da grande vitória operária da Revolução Bolchevique, entusiasticamente saudada por este e outros jornais. Seus diretores eram Adolpho Porto e Astrojildo pereira, e tinha sua redação e administração funcionando à rua da Alfândega, no 42, segundo andar. Em seu segundo número, à página três, há uma matéria que define o caráter político e ideológico dessa folha, provavelmente escrita por Astrojildo Pereira, ainda ligado ao anarcossindicalismo, mas já sofrendo a influência comunista.

Falsificadores de Patriotismo
Anda por aí um prurido de patriotismo; a regeneração do País pretendem-na efetivada com o culto cívico do amor ao Brasil. (...) O patriotismo não consiste no tagarelar dos discursadores ou no empertigamento de elegantes de monóculos metidos em perneiras lustrosas; reside no ato e no exemplo, no anseio de trabalhar desapegadamente pelo bem geral, no propósito de jamais fazer aproveitamento das coisas nacionais.

A Crônica Subversiva foi jornal concebido por Astrojildo Pereira, que, como se observa, teve papel destacado na difusão de ideários anarquistas e comunistas – já que transitou entre essas duas correntes político-ideológicas –, e sua atuação dignificou a imprensa operária brasileira. Intelectual dos mais comprometidos com os problemas não só da classe operária quanto do País, ao lançar esse periódico, em 1818, assim explicou a função do referido periódico, no editorial do dia 1o de junho daquele ano de fundação do jornal. Mais adiante será examinada essa contribuição para a imprensa operária brasileira.

Não fosse a imprensa a chegar aos mais distantes lugares da capital, onde se concentravam os embates e escaramuças políticas, às vésperas da implantação da República, esse episódio não teria sido difundido em curto espaço de tempo. Nesse sentido, a imprensa politizou a informação e integrou um País ainda profundamente disperso, rural e marcado pela herança de quatro séculos de colonização e de colonialismo. Em um primeiro momento do novo regime, a imprensa sofreu as conseqüências inevitáveis da mudança política e institucional, passando a servir aos intentos dos novos dirigentes, ou sendo simplesmente silenciada. Mais do que nunca, imprensa e política se transformaram em uma só entidade, sob o impulso de uma orientação positivista e autoritária.

E essa característica, que se manifestara por ocasião dos primeiros momentos do regime proclamado em 1889, passaria a ser crescentemente dominante no decorrer dos anos e décadas subseqüentes. O enquadramento da imprensa diária, particularmente na cidade do Rio de Janeiro, produziu efeitos junto às forças políticas que se tornaram identificadas com o regime recém-implantado. Já no âmbito reservado das unidades militares era comum a circulação de folhas alusivas à propaganda republicana, o mesmo acontecendo nos clubes republicanos e nos ambientes da maçonaria. O novo foi o aparecimento de folhas de conteúdo radical republicano, ou de natureza jacobina, como assim se denominariam seus integrantes, ou de caráter até mais extremado, como os jornais de tendência socialista e de circulação nos restritos redutos de um operariado ainda recentemente constituído.

A produção de jornais e revistas no Rio de Janeiro durante o século XX ensejou a proliferação de manifestações políticas, dentre as quais os panfletos e manifestos alusivos a temas e problemas de natureza diversa, que circularam igualmente com profusão. Sob o título acima, o presente texto se ocupa da imprensa escrita e daquela forma de difusão de idéias e opiniões que se tornaram comuns na cidade do Rio de Janeiro. O autor elegeu o período de 1918 a 1964 para empreender este estudo, cujos marcos aludem a dois momentos importantes da vida política do País e da então capital da República. No primeiro, o término da Primeira Guerra Mundial ensejou uma onda de anseios de diferentes conteúdos, todos, entretanto, voltados para um só desejo: o de promover mudanças reclamadas pela modernidade.

No segundo momento, a partir de 1930, o ímpeto desses impulsos levaria as forças comprometidas com tais desejos a impor pela força das armas esses novos tempos.

A imprensa esteve sempre vinculada a esses movimentos de inquietude provocados por modificações nos processos econômicos, cuja maior ou menor expressão encontra historicamente nos jornais o veículo mais eficaz para alcançar os seus propósitos. Não poderia ser diferente com o Brasil, que se encontrava, nas duas primeiras décadas do século XX, em processo de alteração de modos setoriais de produção no âmbito de suas atividades produtivas, em parte impulsionado pelas implicações trazidas pelo conflito bélico, que ganhara proporções imprevistas quando de sua irrupção. Em plano menor, mas não tão desprezível quanto possa parecer, a vida das grandes cidades, que em pouco tempo se converteriam em metrópoles, irrompe com força situações de conflito, não se limitando tais acontecimentos à esfera propriamente política, uma vez que apresenta graus de transgressão hoje em dia inerentes ao cotidiano dos vigorosos conglomerados urbanos. Até essas formas de uma modernidade perversa foram registradas por periódicos, seja em notas pitorescas ou em matérias de fundo.
Dessas ditas transgressões, as que se situaram no campo político foram as mais expressivas e, nesse sentido, passaram a integrar-se às abordagens historiográficas que aludiam àqueles tempos. Nestas figuram com destaque merecido as agitações anarquistas e anarcossindicalistas capitaneadas por imigrantes de origem européia. E a imprensa participou intensamente dessas manifestações, ora como veículo privilegiado desses trabalhadores, ora como porta-voz dos interesses patronais e governamentais. Seja como for, os jornais foram instrumentos importantes desses conflitos, e hoje fontes com base nas quais têm sido recuperados momentos destacados da luta política que então se desencadeava nos primórdios de um capitalismo ainda débil.

Como ilustração do caráter libertário de uma imprensa que descortinava o novo, a mudança, e imprimia o ideário de quem a produzia, o nome de Astrojildo Pereira pode e deve ser lembrado, sobretudo quando cria um jornal semanal, A Crônica Subversiva, como dito anteriormente, ainda sob a influência anarcossindicalista. Sua aparição tornara um exemplo de ativismo político de quem tinha idéias e propósitos a veicular, e não apenas desejos de ver transformada uma sociedade marcada pela resistência às mudanças. Em seu primeiro editorial Astrojildo é contundente quanto ao intuito declarado de influir nos debates que se travavam timidamente no imediato período do término da 1ª Grande Guerra.

Crônica Subversiva
Esta folha minúscula pode dizer-se que é obra dum impulso. Imaginei-a, em certo momento, e decidi, de pedra e cal, trazê-la a público. O seu escopo é simples e o seu programa se contém no seu próprio título: ela será, cada sábado, uma crônica subversiva dos fatos e das coisas, das idéias e dos sentimentos que agitaram ou encheram os sete dias precedentes. Um só critério me guiará, no fundo e na forma: o meu critério. Folha personalíssima, eu direi aqui, sobre os homens e as suas ações, o que me parecer que deve ser dito, serenamente ou indignadamente, mas sempre sinceramente. Militante apaixonado da Anarquia, inimigo irredutível da Autoridade, sob todas as suas formas e manifestações, eu combaterei, com esta pequena clava, o bom combate libertário, no intuito único de concorrer com o meu modesto esforço na formidável obra da revolução social. Nada mais ambiciono, aqui, nem mais nada prometo. E é tudo.

Em meados do século passado, vários periódicos foram publicados e veicularam ideários, tendo sido, por isso mesmo, instrumentos de campanhas e de correntes de opinião. A motivação da pesquisa sobre esse farto material recaiu na apreensão de veículos que foram inspirados por concepções populares e progressistas e de orientação comunista. Estas eram diretamente oriundas da direção do Partido Comunista ou de comunistas que cumpriam tarefas de divulgação de teses de interesse dos comunistas. Para tanto, escolhemos cinco periódicos da primeira linha e cinco da segunda, com a inclusão acrescida posteriormente de mais um órgão, que se situa nesse campo e é ligado ao movimento político e parlamentar denominado Frente Parlamentar Nacionalista. Com isso, foi possível uma boa amostragem do que se denominou, nos limites deste trabalho, imprensa popular, progressista e comunista.

A definição de ambas as vertentes não é tão fácil quanto possa parecer, pois, se o vocábulo popular deriva de povo e de suas manifestações, seria sua decorrência temática que a imprensa de orientação comunista também nela estivesse incluída. Porém, a discriminação se deve ao fato de se procurar distinguir a linguagem e as idéias norteadoras dos periódicos que trilharam por caminhos paralelos aos dos comunistas, mas mantiveram-se deles independentes. Essa explicação se torna necessária em virtude da tática democrático-burguesa do PCB de integrar-se de tal maneira às tarefas comuns dos aliados dessa concepção revolucionária para o Brasil, que em muitos momentos as teses e as manifestações eram comuns entre os órgãos que se alinharam na defesa de uma postura independente e soberana para o País, principalmente por ocasião da campanha em prol do monopólio do petróleo.

Os periódicos aqui reunidos são constituídos de diários, semanários e quinzenários. A periodicidade foi mantida ao longo de suas existências com regularidade até surpreendente em razão dos limitados recursos financeiros, razão pela qual sofreram breves ou longas interrupções, seja por força de pressões políticas e institucionais, ou de natureza mesmo financeira. A escolha desses jornais e revistas teve como critério a representatividade junto ao seu público leitor, notadamente os de orientação comunista, como A Classe Operária, Voz Operária, Imprensa Popular, Novos Rumos e Estudos Sociais. No que se refere aos demais, de orientação progressista e de cunho nacionalista, a saber, Jornal de Debates, Emancipação, Fundamentos, Nosso Tempo e O Semanário, a relação que estabeleceram com seu público foi tão ou mais regular que a dos outros, cujo cunho ideológico não garantiu necessariamente mais aderência às matérias publicadas em suas edições.

O que importa para efeito deste estudo é que todos se irmanaram na luta antiimperialista, de modo a formarem ao longo dos anos em que se mantiveram circulando um forte movimento de oposição às teses que estabeleciam a conexão entre desenvolvimento e vinculação ao capital estrangeiro e, particularmente, ao modelo norte-americano de desenvolvimento, nele inspirado e por ele induzido no seio de facções das classes dominantes brasileiras. Esse papel de denúncia sistemática contra a ação desenfreada dos interesses imperialistas foi, sem dúvida, o aspecto mais revelador e marcante da trajetória dessas folhas noticiosas e de comentários acerca da realidade brasileira, à época, ainda muito pouco conhecida pela esmagadora parcela do povo. E o encontro de tendências a divergirem no varejo da política nacional, haja vista a relação entre trabalhistas e comunistas, forjaram uma unidade de ação contrária às pressões que se intensificaram no imediato pós-guerra, e que tinham no Brasil um alvo preferencial. Assim, a defesa das prerrogativas nacionais na esteira de um processo de lutas em prol da soberania selou em definitivo essa relação expressa pelos jornais aqui apresentados.

A metodologia adotada consistiu na relação selecionada das matérias que o autor julgou mais expressivas, cujo tratamento jornalístico e político foi considerado em função da orientação de cada periódico, sempre correlacionando com os fatos das conjunturas respectivas.

Para que o trabalho não se estendesse demasiadamente, procurou-se eleger um determinado momento histórico ou um ano em que os acontecimentos políticos foram mais reveladores para o próprio jornal ou revista. À exceção do Archivo Vermelho, incluído neste estudo pelo fato de ter sido o primeiro jornal a contemplar o noticiário geral, sobretudo o policial, com os assuntos políticos no instante em que se processava também a transição da orientação anarcossindicalista para a orientação comunista na imprensa operária, todos os outros foram analisados a partir de períodos de sua existência. Mesmo alguns de curta duração, como Novos Rumos, surgido em 1958 e interrompido em 1964, no campo da imprensa comunista, ou os jornais ditos progressistas, quase todos igualmente de curta existência, a duração coberta pela análise de seus conteúdos foi igualmente centrada em critérios seletivos.

Uma característica dominante nessa imprensa comunista e progressista é o tom antiimperialista adotado pela linha editorial dos órgãos aqui examinados. Essa marca dominante nos periódicos pesquisados forjou uma consciência nacional entre seus leitores. Pode-se dizer, sem receio de exageros, que em praticamente todas as edições houve conteúdos jornalísticos relacionados com as pressões exercidas por trustes internacionais sobre interesses patrimoniais brasileiros, sobretudo em relação às riquezas do subsolo, como o petróleo e seus derivados. Assim, a geração que nasceu no período do entreguerras (1919-1939) foi profundamente marcada em sua fase adulta pelas manchetes, matérias em geral e pronunciamentos políticos contrários à entrega de nossas riquezas ao apetite de empresas estrangeiras. Nascia, por conseguinte, uma ideologia nacionalista e, necessariamente, antiimperialista que incomodaria tais interesses.

Por último, cabe destacar que os periódicos comunistas arrolados pela pesquisa foram editados pelo PCB ao longo de sua história, ao passo que os periódicos populares e progressistas não tiveram propriamente uma fonte inspiradora e organizadora, uma vez que transitaram da vertente trabalhista e de inspiração nacionalista às tendências próximas ao ideário socialista. Muito embora as nomenclaturas do primeiro caso tenham muito de semelhante, tendo em vista que todo trabalhista é por excelência nacionalista, sendo a recíproca quase idêntica, procurou-se distingui-los aqui em razão de o trabalhismo ter-se constituído em partido político, representado pelo PTB, ao passo que o nacionalismo não teve um pouso único em uma mesma legenda partidária. Quanto às tendências socialistas, muitas delas não se conformaram partidariamente, e seguiam perspectivas muito próximas às dos comunistas. Na prática, trabalhistas, nacionalistas e socialistas idealistas convergiram em defesa de teses comuns, cuja essência foi a sustentação da idéia de soberania nacional.

Observou-se ao longo da pesquisa a hipótese que orientou este estudo, segundo a qual a bandeira da soberania nacional expressa nas correntes trabalhistas e nacionalistas, encimadas em torno do epíteto de vertente progressista, foi igualmente empunhada pelos comunistas. Esse encontro histórico, a apontar uma clara dimensão de esquerda forjada nas lutas sindicais e nas campanhas do petróleo, principalmente, possibilitou uma unidade de ação que transitou nas páginas dos jornais e revistas objeto desta investigação. Nesse caso, a imprensa escrita e periódica foi um instrumento político tão eficaz quanto a ação dos militantes, pois sistematizou informações e fez proliferar conteúdos políticos e ideológicos que se agregaram à causa da libertação nacional antiimperialista.

Assim, temas recorrentes, como a denúncia sistemática dos interesses imperialistas através dos trustes internacionais, bem como a denúncia da exploração das riquezas de solo e subsolo, e da política de guerra indiscriminada com vistas à por em permanente funcionamento a indústria de guerra norte-americana foram, dentre outras matérias, alvo de análises, manchetes e editoriais de praticamente todos os números consultados na pesquisa. O resultado do papel desempenhado por essa imprensa de opinião assumida e destemida foi pedagógico, pois algumas gerações se educaram como cidadãos conscientes da necessidade de impedir que o Brasil fosse palco do processo de espoliação que se desenvolvia mundo afora, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial.

Dentre os periódicos, que assim poderiam ser classificados como inovadores desse período de franca deterioração de antigos costumes políticos de natureza essencialmente oligárquica, se encontra a revista Archivo Vermelho, que será objeto de análise das linhas que seguem. É uma publicação representativa de uma sociedade que começava a se urbanizar e a se habituar a incorporar os costumes metropolitanos, dos quais se destacariam progressivamente as múltiplas situações de conflito, tanto no âmbito das relações pessoais e intimistas quanto no das sociais e profissionais, sobretudo as que envolviam o mundo do trabalho. Desse modo, a violência, em sua expressão cotidiana e freqüentemente passional e aquela que decorria dos confrontos entre patrões e empregados, passaria a figurar no centro urbano da cidade do Rio de Janeiro, que, como Distrito Federal, congregava uma população a suplantar em muito a de outras cidades do País.

No que se refere à esfera econômica, o Brasil desse periódico vivia os primeiros momentos do imediato pós-guerra, alucinados anos de exigência quanto à necessidade de ajustamento da economia ao ritmo da retomada afetada pelos quatro anos de certa recessão do comércio e da economia mundial. Em um movimento tímido surgia o vetor de uma política econômica de substituição de importações a mexer com as formas tradicionalistas até então em vigor. Essa nova realidade torna-se mais aguda com a morte de Rodrigues Alves, que retornaria à presidência em 1918, o que provocou certo desalinho nas plácidas negociações políticas das sucessões presidenciais. Afora esses desafios econômicos e políticos, a esfera social se agitava grandemente com as repercussões da grande greve de 1917 e da Revolução Russa, de modo a atiçar o movimento anarcossindicalista, que detinha a hegemonia sindical em uma época em que os sindicatos eram criados à revelia do Estado e de qualquer legislação reguladora das relações capital e trabalho.

A seguir, examinam-se sete situações de periódicos, seja através de análises de periódicos isoladamente ou em conjunto, em face de determinadas questões retratadas diferentemente por jornais da mesma época, de modo a apreciar momentos políticos de alguma relevância no processo histórico republicano, ou periódicos que se notabilizaram em defesa de teses ou políticas levadas a cabo por correntes políticas e ideológicas, principalmente a representada pelos comunistas brasileiros. Alguns desses estudos foram publicados, razão pela qual se resolveu manter o texto original.

Veja também

capa do livro

Brasil Século XXI

Na Expectativa da Revolução Social e Ambiental

Lincoln de Abreu Penna

capa do livro

Violência, política e ideologia

Análise das capas do jornal O Globo nos anos de 1994 e 1995

Ricardo Ribeiro Baldanza

capa do livro

Audiovisuais contemporâneos

desafios de pesquisa e metodologia

Bruno Campanella, Érica Ribeiro, Joana d’Arc de Nantes (orgs.)

capa do livro

Encontros e Caminhos dos Estudos do Consumo no Brasil

Lívia Barbosa, Fátima Portilho, Flavia Galindo e Silvia Borges (orgs.)