Alternativas de sustentabilidade e desenvolvimento regional
Vera Lucia Botta Ferrante, Helena Carvalho de Lorenzo e Maria Lúcia Ribeiro (orgs.)
Os artigos que
compõem o presente volume foram produzidos por docentes e alunos do Programa
de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, da Uniara, de Araraquara.
Valemo-nos da oportunidade que ora se apresenta de publicação
de parte de seus resultados para agradecer às instituições
que viabilizaram os projetos de pesquisa e aos alunos que participaram dos mesmos
com suas dissertações e outras formas de inserção
nas pesquisas.
É muito difícil socializar com os leitores as gratificantes experiências
que vêm se desenvolvendo ao longo dos últimos três anos com
o trabalho coletivo de construção desse programa de mestrado e
que vêm propiciando um intercâmbio fecundo entre pesquisadores e
alunos. Pensamos, porém, que é relevante partilhar com o público
em geral, e, em particular, com pesquisadores das áreas envolvidas pelo
mestrado, os resultados apresentados nos artigos, como prestação
de contas de nosso trabalho e como contribuição ao debate e realização
de novas pesquisas.
A título de introdução vale apresentar aos leitores algumas
indagações que nos motivaram a propor e organizar este programa
de mestrado de natureza multidisciplinar e a comentar algumas das características
principais da proposta. Caberá ao leitor julgar até que ponto
as nossas inquietações estão espelhadas nos artigos que
compõem este livro.
O mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente com área de concentração
em Dinâmica Regional e Alternativas da Sustentabilidade foi pensado como
uma perspectiva concreta de associar a experiência consolidada da pesquisa
de docentes em diferentes áreas do conhecimento ao desafio de se integrar
pesquisas e conhecimentos voltados ao processo de desenvolvimento regional,
privilegiando-se a interface com a questão ambiental e a discussão
interdisciplinar de aspectos cruciais para o planejamento da gestão pública
e privada. A implantação do mestrado partiu de um pressuposto
básico: a complexidade dos problemas gerados pela conjugação
entre dinâmica do desenvolvimento regional e meio ambiente impede o equacionamento
isolado das suas vertentes, remetendo necessariamente a uma abordagem relacional.
A proposta levou em conta que a questão ambiental impôs ao conjunto
das ciências temas para os quais elas não estavam anteriormente
preparadas e para cujo enfrentamento são obrigadas a reformular, muitas
vezes, princípios de sua organização interna.
Neste sentido, a agenda de pesquisa do Mestrado Desenvolvimento Regional
e Meio Ambiente vem buscando seu desempenho como um campo da multidisciplinariedade
em direção a um conhecimento interdisciplinar que envolve o domínio
de várias áreas do conhecimento. O objetivo maior é consolidar
seu papel como centro produtor de pesquisa e de conhecimento voltado à
discussão interdisciplinar e contextual do processo de desenvolvimento
regional frente às questões ambientais. O caráter inovador
da proposta está relacionado ao desafio de compreender e intervir no
processo de transformações que afetam as distintas dimensões
da organização social. Desta forma, contribuir para a formação
de um profissional com visão sistêmica e ética, com compreensão
do processo de desenvolvimento regional e domínio de instrumentos conceituais
e metodológicos essenciais para o planejamento e gestão de instituições
públicas e privadas. Para tanto, faz-se necessário superar o dualismo
de visões segmentadas ou pontuais que fragmentam os estudos sobre meio
ambiente, estrutura produtiva e impedem uma visão alternativa do desenvolvimento
sustentável local e regional.
No Brasil, os estudos de desenvolvimento regional até recentemente, usavam
como principal critério, as divisões regionais estabelecidas ou
pelo IBGE (macrorregião) ou por critérios de divisão político-administrativa
como as do Estado de São Paulo, por exemplo. Por este critério,
as informações estatísticas fornecidas pelas agências
IBGE e Fundação SEADE, dentre outras se sustentavam apenas em
dados socioeconômicos.
A introdução mais recente do conceito de bacias hidrográficas
como critério de divisão territorial vem permitindo a ampliação
dos estudos com a inclusão de informações ambientais, referentes
à funcionalidade e uso da água, tratamento de esgoto e lixo etc,
ou seja, estudos de descarte de resíduos sólidos e líquidos
e suas implicações ambientais. Segundo este conceito, por exemplo,
Araraquara está incluída na Unidade de Gerenciamento de Recursos
Hídricos UGRHI-13, denominada Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré.
Este conjunto caracteriza-se por população tipicamente urbana
(94,5%), sendo que apenas 11 dos seus 34 municípios têm tratamento
de esgoto.
Esta região do Estado de São Paulo, desde os anos 70, vem se caracterizando
por intensa dinâmica de crescimento econômico, fundado principalmente
na modernização da agricultura e sua rápida transformação
em atividade agroindustrial voltada à exportação. Trata-se
de uma região que vem passando, também, por rápido adensamento
populacional apresentando atualmente, problemas urbanos típicos de cidades
de porte médio, quais sejam: problemas de habitação, saúde,
educação, segurança e, particularmente, problemas ambientais.
Mais recentemente, nos anos finais da década de 1990, a região
vem sendo foco de diversos investimentos de porte bastante significativo em
atividades aplicadoras e geradoras de inovação tecnológica
em produção e gestão. Os impactos destes investimentos
já se fazem sentir, tanto em termos das mudanças nos processos
de produção, quanto nas transformações relativas
à questão ambiental. Além disso, a partir da segunda metade
da década de 1980, a região vem absorvendo crescentemente núcleos
de assentamentos rurais sendo atualmente a segunda região do Estado
de São Paulo em número de famílias assentadas os
quais têm exigido reorientação de ações de
políticas de desenvolvimento local/regionais. É sob um outro olhar,
de análise dos impactos ambientais, sociais e econômicos, dos contrapontos
à expansão do agronegócio que vem sendo construída
a agenda de pesquisa do mestrado. Com preocupação voltada ao desenvolvimento
regional e meio ambiente na região, o curso de mestrado vem abrindo um
importante espaço de pesquisa e de trabalho, considerando a possibilidade
de contribuir para a sistematização e análise de dados
empíricos e teóricos, que possam incorporar dimensões diferentes
do conhecimento com propostas de subsídios para implantação
de políticas públicas de cunho regional. A perspectiva regional
assumida, no entanto, não está fundada apenas na análise
de processos locais, embora boa parte dos projetos em desenvolvimento esteja
apoiada em estudos locais, mas na consideração de que a dimensão
regional refere-se a uma perspectiva analítica mais ampla, voltada à
apreensão de processos sociais de espaços regionais, compreendidos
em suas relações heterogêneas.
Tal movimento se faz presente na configuração da área de
concentração do Programa, a qual explicita-se por meio de linhas
de pesquisa, na estrutura curricular, na relação com os projetos
de pesquisa dos docentes e dos mestrandos e na constituição dos
grupos de pesquisa do mestrado. Tais desafios têm, na configuração
desta região, espaço privilegiado para o seu enfrentamento.
O curso de mestrado está estruturado com área de concentração
Dinâmica Regional e Alternativas de Sustentatibilidade, que pretende ampliar
o conhecimento científico sobre a natureza e a dinâmica de processos
de desenvolvimento local, regional e suas alternativas de sustentabilidade,
a partir de uma concepção interdisciplinar. Está formada
por três linhas de pesquisa, Gestão de Território, Políticas
Públicas e Desenvolvimento e Gestão Empresarial e Meio Ambiente,
que se entrecruzam, explicitando a proposta interdisciplinar do curso.
Os artigos aqui apresentados podem ser entendidos como contribuições
para a reflexão e para o conhecimento de questões relativas às
três linhas de pesquisa.
Um primeiro grupo de quatro trabalhos, voltados para o tema da Gestão
do Território, têm como focos principais questões relacionadas
à gestão dos recursos hídricos. Neste grupo, o artigo Princípios
de gestão de recursos hídricos: descentralização
e participação comunitária, de Zílio Gallo
e Denilson Teixeira tem como objetivo contribuir para o debate sobre a implantação
do modelo descentralizado e participativo para a gestão das águas
e discutir seu processo de implantação no Brasil e no Estado de
São Paulo. O estudo de Wilson Figueiredo, Hildebrando Herrmann e Leonice
Aparecida da Silva Gestão integrada de recursos hídricos
superficiais e subterrâneos: alternativas para sua implementação
analisa a competência da Constituição de 1988, que
eliminou o domínio municipal e privado sobre os recursos hídricos,
criando conflitos, ainda sem solução, que comprometem um aproveitamento
harmônico dos inúmeros aquíferos brasileiros. Dentro dessa
mesma preocupação o artigo A utilização
da modelagem matemática como ferramenta para a gestão integrada
e sustentável dos recursos hídricos subterrâneos: uma proposta
para o município de Araraquara-SP dos pesquisadores Carlos
André Bonganha, Carolina Lourencetti, Nilson Guiguer, Sueli Yoshinaga
Pereira e Maria Lúcia Ribeiro, demonstra a potencialidade da aplicação
da modelagem matemática tridimensional para a determinação
das zonas de captura da água subterrânea e propõe disponibilizar
estratégias de extração otimizada desse recurso no Município
de Araraquara, dentro da abrangência do Sistema Aqüífero Guarani,
que tem tradição na utilização dos recursos hídricos
subterrâneos. O artigo Mercantilização da água:
uma análise crítica de Cláudia Rosa Acevedo, José
Luís Garcia Hermosilla e Ethel Cristina Chiari da Silva, que discute
um conjunto de argumentos a favor e contra a mercantilização dos
recursos hídricos.
Dois artigos estão voltados ao estudo da preservação de
áreas protegidas. O artigo de Carmem Lúcia Rodrigues, Oriowaldo
Queda, Roberto Bretzel Martins, Participação dos proprietários
rurais na restauração da mata ciliar: uma proposta metodológica,
estuda índices de cobertura florestal nativa no Estado de São
Paulo mostrando que tem havido poucos ganhos na restauração de
matas ciliares, e o artigo de Denilson Teixeira, Alessandra de Souza Alberto,
Vitor Eduardo Molina Junior, Importância e viabilidade legal e administrativa
de áreas municipais ambientalmente protegidas, volta-se para o
estudo da zona de proteção de aqüífero Guarani, em
sua área de afloramento próxima da região de Araraquara
(SP).
A questão dos resíduos está abordada em duas perspectivas
distintas. Em perspectiva nacional e mais abrangente do que o estudo regional,
está discutida no artigo A gestão dos resíduos domiciliares:
realidades e perspectivas de Marcus Cesar Avezum Alves de Castro, enquanto
que o trabalho A percepção ambiental dos resíduos
de serviços de saúde (RSS) dos enfermeiros de um hospital filantrópico
de Araraquara (SP) de Janaina Florinda Ferri Cintrão e Adriana
Aparecida Mendes está voltado para a percepção ambiental
do profissional enfermeiro dos riscos apresentados pela existência de
resíduos de serviços de saúde no cotidiano profissional
e a sua relação com o meio ambiente.
O tema da educação ambiental está tratado no artigo Meio
ambiente e educação ambiental na perspectiva de diferentes sujeitos
sociais no município de Matão (SP) de Maria Aparecida Bellintani
Ourique de Carvalho e João Alberto da Silva Sé, que estuda as
possibilidades de ações e parcerias na região.
As questões da economia solidária e da segurança alimentar
estão tratadas nos artigos de Zildo Gallo, Valdir Ferreira e Antonio
Silvestre Leite Economia solidária: estratégia de
inclusão social em São José do Rio Preto (SP), e
o artigo Segurança alimentar e consórcios de produtores
rurais: possibilidades de formação de redes de capital social
no território citricola paulista de Vera Lúcia Botta Ferrante,
Luiz Fernando Paulillo e Luiz Manoel de Camargo de Almeida, os quais estão
centrados nos dilemas alternativos que se apresentam para o desenvolvimento
local e regional.
O tema das políticas públicas também aparece em artigos
elaborados a partir de pesquisas relacionadas às alternativas de desenvolvimento
regional, educação e percepção ambiental. No que
se refere ao desenvolvimento regional, estudos sobre a produção
agrícola familiar e a produção realizada nos assentamentos
rurais enfocam as dificuldades encontradas pelos produtores de leite para obtenção
de crédito, registro e legalização desse tipo de empreendimento,
comercialização dos produtos e assistência técnica,
o que os faz permanecer na informalidade. Apontam-se as potencialidades das
miniusinas e da transferência de tecnologia como garantia para os avanços
no processo. Dois são os artigos voltados para esta temática:Impacto
social de inovações tecnológicas na agricultura familiar:
tecnologias para produção de leite de autoria dos pesquisadores
Oscar Tupy, Geraldo Stachetti Rodri-gues, Artur Chinelato de Camargo, Izilda
Aparecida Rodrigues, Lia Fernanda Bonadio e, Miniusinas de leite como
alternativa de desenvolvimento regional para produtores do assentamento rural
Monte Alegre 1 e 2, dos pesquisadores Eliene Cristina Barros Ribeiro e
Oriowaldo Queda.
Finalmente, o livro apresenta três estudos sobre o papel das empresas,
sistemas locais de produção e estratégias empresariais
considerando os impactos ambientais, os processos de cooperação,
a incorporação de tecno-logias ambientalmente corretas e as potencialidades
para a formulação de políticas públicas.
Nesta direção, dois estudos estão voltados às aglomerações
produtivas regionais. O artigo Tecnologia e redução de impactos
ambientais na indústria de couro de Bocaina e no pólo calçadista
de Jaú apresentado por Sônia Regina Paulino e Osvaldo Contador
Júnior procura mostrar que os fluxos tecnológicos no aglomerado
de empresas têm seus determinantes e formas de concretização
externas às firmas pois não derivam de decisões internas.
Tal fato cria dificuldades para a implementação de tecnologias
mais limpas. O artigo A indústria de bordados de Ibitinga:
fragilidades institucionais e limites ao exercício da cooperação
de Fabiana Florian e Helena Carvalho De Lorenzo discute as razões que
explicam as grandes dificuldades para o estabelecimento de processos de cooperação
nas micro e pequenas empresas daquele aglomerado produtivo, bem como para o
envolvimento de instituições locais para a formulação
de políticas públicas. Por fim, o artigo Aspectos ambientais
no contexto de reestruturação industrial: estudo de caso,
de Paulo Roberto Vieira Marques, Ethel Cristina Chiari da Silva e José
Luís Garcia Hermosilla trata uma importante relação entre
as ações ambientais adotadas pela empresa estudada e seus ganhos,
tanto quantitativos quanto qualitativos na redução do uso do gás,
do combustível, no consumo de água e de energia elétrica.
Aproveitamos a oportunidade para agradecer a todas as pessoas que ao longo desses
anos vêm contribuindo para a consolidação do mestrado e,
de certa forma, para a realização deste livro. Mesmo correndo
o risco de deixar de mencionar algumas pessoas, queremos agradecer muito particularmente
nossas secretárias Ivani Ferraz Urbano, Adriana Bráz e Izolina
Aparecida Fachini um trio exemplar. Agradecer também a Rosângela
Batista Felix e Luciana Camargo de Oliveira. O interesse dos alunos pelos nossos
temas de pesquisa e a aceitação de nossos projetos em agências
de fomento têm nos dado a certeza de que estamos caminhando em direção
da construção de nossos sonhos de pensar uma sociedade mais justa
e ambientalmente mais equilibrada.
Finalmente cabe mencionar o apoio do Reitor da Uniara Professor Doutor Luiz
Felipe Cabral Mauro que tem nos apoiado nas lutas cotidianas, em um continuado
exercício de respeito e liberdade.
Por estas muitas razões convidamos os leitores a conhecer e interagir
com esta produção coletiva que apresenta contrapontos e sugere
a continuidade das discussões dos temas analisados.
Araraquara, dezembro, 2006.
Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante
Maria Lúcia Ribeiro
Helena Carvalho De Lorenzo