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Pablo Neruda

uma poética engajada

Adriane Vidal Costa

Apesar da relevância artística, intelectual e política de Pablo Neruda – cujo nome de batismo era Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto –, o poeta e militante comunista chileno é um personagem insuficientemente conhecido no Brasil. A despeito de um evidente crescimento tanto em quantidade como em qualidade dos estudos sobre a América Hispânica elaborados no Brasil, em diversas áreas das Humanidades, a produção intelectual e a história dos países hispano-americanos ainda carecem, como se sabe, de investigações mais freqüentes e aprofundadas.

O trabalho de Adriane Vidal Costa – originalmente apresentado como Dissertação de Mestrado ao Programa de Pós-Graduação em História da UFMG, em 2003 – foi o primeiro na área de História Hispano-Americana defendido no Programa, inaugurando uma área de pesquisa que, de maneira consistente, vem crescendo em Minas Gerais, nos últimos anos, como já vinha ocorrendo em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e outros estados desde meados da década de 1980. Adriane Vidal – em texto claro, fluente e bem escrito – percorre rigorosa e criticamente a trajetória político-intelectual de Neruda, desde os anos 30 até sua morte, em 1973, apenas 12 dias após o golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende e instaurou uma das mais repressivas e brutais ditaduras da História Latino-Americana.

Neruda, como nos mostra a autora, teve sua vida e obra profundamente envolvidas pelas transformações políticas de sua época, no Chile, na América Latina e no mundo. Inicialmente – em capítulo com o inspirado título de “Navegações e Regressos” –, a autora realiza uma cuidadosa síntese do percurso intelectual e político de Neruda, com especial destaque para sua intensa vida pública, a experiência diplomática, a militância, as contendas político-ideológicas, os contatos e relações com intelectuais e políticos, as obras mais relevantes e as inúmeras viagens, pela América Latina, Europa, Ásia e Estados Unidos. Num segundo momento, Adriane Vidal Costa retoma as fases mais marcantes da trajetória política do poeta, a fim de analisá-las mais detidamente, com o objetivo de compreender o sentido de sua militância e engajamento: desde o impacto causado pela Guerra Civil Espanhola, passando pela luta antifascista, a adesão ao comunismo, a defesa da União Soviética, a militância no Partido Comunista do Chile, as difíceis relações com Fidel Castro e as divergências em relação ao projeto revolucionário cubano, sua defesa da “via pacífica” para o socialismo e seu decidido apoio ao governo de Allende. A adoção do conceito de cultura política permite à autora inserir a visão de mundo, o discurso e o comportamento político de Pablo Neruda em uma dimensão mais ampla, coletiva – a cultura política comunista –, com sua doutrina, idéias, valores, princípios, fidelidades, vocabulário, símbolos e ritos. Adriane dá especial ênfase ao engajamento político de Neruda, nas diversas fases de sua vida, procurando compreender as relações entre o intelectual e o militante. Por fim, a autora dedica-se a uma das obras mais conhecidas do escritor chileno, Canto general, expressão poética máxima do compromisso latino-americano de Neruda. Escrito ao longo de mais de uma década, entre 1938 e 1949, e publicado originalmente em 1950, no México – com ilustrações dos famosos muralistas David Alfaro Siqueiros e Diego Rivera –, Canto general, com mais de 15 mil versos, teve uma enorme repercussão nas décadas seguintes. Traduzido para vários idiomas, com inúmeras edições e amplas tiragens, o livro tornou-se, principalmente para as esquerdas – identificadas com a visão nerudiana da história latino-americana –, a representação poética, por excelência, dos dramas, lutas, derrotas e vitórias dos “povos latino-americanos”. Um canto à natureza americana, à resistência dos oprimidos e à vitória da revolução socialista.

Para realizar seu trabalho, a autora recorreu não só à obra poética de Neruda, como também às suas memórias (em verso e prosa), discursos, artigos, entrevistas e correspondências. Além dos textos nerudianos, Adriane utilizou-se de vasta bibliografia sobre o autor chileno e as diversas questões envolvidas na sua movimentada vida pública. O desafio de analisar a dimensão política na obra e na vida de Neruda, utilizando como fontes fundamentais a produção poética e memorialística do escritor chileno, levou a autora a refletir sobre as relações entre história e poesia e, também, entre história, memória e autobiografia.

Utilizando os recursos teórico-metodológicos da chamada “nova história política” e da história dos intelectuais, Adriane Vidal Costa contribui de forma estimulante para a compreensão do lugar do intelectual de esquerda latino-americano no intenso debate político, intelectual e artístico das décadas de 1930 a 1970. A análise da intensa e rica trajetória de Neruda – inserida em uma época de transformações, conflitos, embates, desafios, esperanças, desilusões e polêmicas – possibilita à historiadora desnudar os elementos que constituíram a formação do intelectual e militante comunista chileno, que, em diversos momentos de sua vida, instrumentalizou a arte em função de objetivos político-ideológicos, produzindo uma “poesia de combate”. As complexas relações entre arte e política, entre poesia e história, foram enfrentadas pela autora, a partir de um caso exemplar, o do poeta engajado Pablo Neruda.

Kátia Gerab Baggio
Departamento de História
Universidade Federal de Minas Gerais

 

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