Gestão local e políticas públicas na Amazônia
Giuseppe Cocco, Helder Boska de Moraes Sarmento, Gerardo Silva e Maria José de Souza Barbosa (orgs.)
A dinâmica
da globalização e as transformações do capitalismo
contemporâneo colocam uma série de desafios teóricos para
se pensar o espaço das políticas públicas, os sujeitos
que as produzem, as noções de cidadania que deveriam norteá-las.
O poder do capital global investiu na totalidade da vida social e parece não
deixar mais nenhum espaço alternativo. Os sistemas de proteção
social herdados da era industrial, ou que se pretendia moldar naquela perspectiva
(por meio do desenvolvimento nacional), estão submetidos a uma fragmentação
sistemática. Ao mesmo tempo, se o capital ocupou todos os espaços
e todo o tempo de vida, cada um desses elementos já constitui um momento
de resistência e de luta. Diante da fragmentação social,
uma multiplicidade de sujeitos sociais consegue resistir e construir novos espaços
de luta para construção de novos mundos, outros mundos são
possíveis.
Os processos de interlocução entre as diferentes esferas da sociedade,
movimentos sociais, organizações governamentais e não governamentais,
formam constelações essenciais para a construção
de novos caminhos e, ao mesmo tempo, colocam novos desafios para a definição
das esferas de gestão da políticas públicas, do papel dos
novos governos, da relação complexa entre governo e movimentos.
As redes de cooperação e comunicação que mobilizam
diferentes movimentos sociais são uma prefiguração potente
desse deslocamento populações tradicionais, agricultores,
extrativistas, quilombolas, índios etc. na Amazônia, mas
também os trabalhadores que atuam nos meios de comunicação,
idéias, imagens, afetos, moda, marketing etc. nas grandes metrópoles.
A diversidade dos sujeitos articula novas formas de luta e novas formas de organização.
A região amazônica está atravessada pelo conjunto dessas
transformações e, ao mesmo tempo, está no cerne delas.
Ela se constitui, pois, em um ponto de vista perspectivo privilegiado para essas
reflexões. É hoje uma das principais áreas de interesse
do mundo por constituir uma riqueza diversificada e complexa, tanto em sua biodiversidade
quanto na sócio-diversidade (vista, na maioria das vezes, como uma grande
reserva para o mercado internacional, sem respeito a suas particularidades e
dinâmicas próprias). Porém, suas dinâmicas locais
e regionais são constantemente desterritorializadas por não se
encontrarem em correspondência com suas práticas sócio-produtivas
locais. Estudar essa realidade faz-se urgente e necessário, não
perdendo de vista que ela está articulada nos níveis local, regional
e global, sob uma dupla lógica, aquela construída na contraface
do domínio.
Para responder a este desafio, vem-se buscando cooperações político-institucionais,
como mostra o resultado deste trabalho que teve o apoio do CNPq (Fundo Setorial
de Infra-Estrutura-CT-Infra/PADCT), tendo em vista responder às novas
demandas e constituir competências capazes de produzir informações
e conhecimentos, assim como, ações efetivas e avaliação
de experiências locais. Nesta direção, o projeto intitulado
Gestão Local e Políticas Públicas na Amazônia é
um exercício efetivo na perspectiva de ampliação e consolidação
da reflexão teórico-metodológica, em que a cooperação
interinstitucional mostra, em primeiro lugar, a rica produção
de conhecimentos dos grupos de pesquisa da UFRJ; e, em segundo lugar, a potencialidade
dos grupos da UFPA em desenvolver competência teórico-técnica
no processo de investigação da realidade local.
A cooperação técnico-científica entre os grupos
de pesquisa abriu espaço para a produção de conhecimentos,
assim como para possibilidades de desdobramentos desse fecundo movimento de
trocas de experiências. Os textos que aqui apresentamos constituem um
conjunto diversificado de reflexões sobre esses desafios e suas implicações
teóricas e práticas.
As ações entre os grupos de pesquisadores tiveram como foco o
estudo e a problematização da realidade amazônica sobre
as novas dinâmicas da reestruturação produtiva e das relações
internacionais no contexto da globalização dos mercados, da competitividade
e suas repercussões na divisão internacional do trabalho. Por
outro lado, as discussões sobre os fundamentos teóricos e metodológicos
do Serviço Social e suas relações com as políticas
públicas e a gestão local, articulam-se em dois eixos temáticos
distintos, quais sejam: 1) o da produção e reprodução
da vida social e; 2) das políticas públicas, políticas
sociais e Serviço Social.
Acreditou-se que tal perspectiva teria a contribuir para a identificação
das contradições imanentes aos processos que se colocam como objeto
de estudos e pesquisas na atualização de seus sujeitos constituintes,
das diferenças e diversidades. Essas problemáticas subsidiaram
as discussões e avaliações das diferentes políticas
públicas na Amazônia, bem como as experiências de ensino,
pesquisa e extensão dos cursos de graduação e pós-graduação
em Serviço Social.
Este movimento entre os grupos de pesquisadores contribuiu para dinamizar o
debate teórico-acadêmico e técnico-político desenvolvido
no interior dos grupos de pesquisa consolidados e não consolidados, fortalecendo
a rede de cooperação entre as instituições. Uma
rede de cooperação que implicasse reunir estratégica, sistemática
e continuamente os grupos de pesquisa em andamento nos programas de pós-graduação,
visando potencializar a produção de conhecimentos, ampliar a possibilidade
de discussão, de crítica e verificação de consistência
das pesquisas desenvolvidas e em desenvolvimento.
Não é intenção reproduzir neste espaço a
rica experiência que se realizou em todo o desenvolvimento deste projeto,
mas destacar dois resultados significativos: o primeiro foi a construção
de página web para o projeto, acessável pelo endereço http://www2.ufpa.br/ppgss/Projeto_UFPA_UFRJ/index.html;
o segundo, é o presente livro, que traz um conjunto significativo de
artigos produzidos conjuntamente entre os pesquisadores de ambos os grupos.
Vale destacar que o significado desta publicação expressa o esforço
coletivo de compreensão de uma problemática pertinente ao Serviço
Social, tanto do ponto de vista de seus fundamentos teóricos e metodológicos,
quanto nas possíveis alternativas de implementação de novas
experiências na gestão de políticas públicas de âmbito
local/regional. Porém, preservando um sentido declaradamente transparente
ao Serviço Social, qual seja, o do pensamento crítico, seja porque
este contribui para o avanço da pesquisa e da produção
de conhecimentos na profissão, seja por permitir a apropriação
de temáticas que transcendem seu âmbito. Com o intuito de garantir
esta coerência é que o conjunto de artigos apresentados traz o
pensamento crítico como base de referência e fundamentação,
além de, ao mesmo tempo, favorecer o debate e a polêmica ao apresentar
em seu contexto diferentes abordagens e construções teórico-analíticas.
Assim é que apresentamos o plano desta publicação, que
tem início com o artigo A investigação para o serviço
social e os processos de produção do conhecimento de Yolanda
Guerra e Helder Boska de Moraes Sarmento, cuja proposta é introduzir
o leitor à lógica da cooperação, destacando a necessária
institucionalização dos grupos de estudos e pesquisas em um primeiro
momento, para em seguida apresentar os fundamentos teóricos-analíticos
que se consolidaram como elementos constituintes dos grupos envolvidos, referindo-se
à investigação enquanto um momento vital para a produção
de conhecimentos em Serviço Social.
O segundo texto, Serviço Social e Método a contribuição
do pensamento marxiano de Fátima Grave Ortiz, inscreve-se no âmbito
dos debates e reflexões que tratam dos fundamentos do Serviço
Social, em particular do debate acerca do método marxiano, suas categorias
e sua processualidade.
O terceiro texto Da Família Moderna à Modernidade da Família:
Um Caminho não percorrido/terminado, de Carlos Alberto Batista
Maciel, traz a reflexão sobre os aspectos do caminho que vai da família
moderna à modernidade da família, para contribuir na compreensão
da complexidade desta trajetória, uma vez que a relação
entre sociedade-família-indivíduo está longe de ser harmônica
e sem conflitos, especialmente na realidade contemporânea em que imputa-se
velozmente a corrosão da representação da condição
social do homem em favor do individualismo exacerbado.
O quarto texto, Poder, poderes, de autoria de Simone Sobral Sampaio,
posiciona-se criticamente ao afirmar que não tem sentido falar sobre
Gestão Pública e Poder Local sem falar de democracia, sob pena
de que o espaço público retome sua forma original como lugar dos
interesses econômicos, como espaço dos negócios burgueses,
como implicação de uma vida dominada pela ditadura do mercado,
um contínuo crescimento da miséria; torna-se, portanto, imprescindível,
combater esse quadro, reinventar permanentemente o processo democrático.
Em seguida, o texto Trabalho e Natureza na Amazônia, de Giuseppe
Cocco e Maria José Barbosa, coloca como ponto de referência a própria
Amazônia, interrogando o sentido de discutir as transformações
do trabalho que estão na base da emergência do que podemos chamar
de capitalismo cognitivo, em um território onde o capitalismo
industrial nunca chegou. A Amazônia é pensada criticamente como
o território que, paradoxalmente, é atravessado por
temas locais e globais, ao passo que, por mais dramáticos que possam
parecer seus impactos e conseqüências, a partir da virada pós-industrial
do capitalismo das redes, pode-se constituir em um novo leque de oportunidades,
longe das tradicionais clivagens que solapam as possibilidades de se pensar
os embates e desafios desta região.
O sexto texto Desenvolvimento local e novo municipalismo na Amazônia,
de autoria de Gerardo Silva, dá continuidade aos temas anteriores, mas
traz um tom de originalidade ao propor um debate atual sobre uma tendência
tão desgastada ao longo de nossa história brasileira e amazônica.
Sua novidade reside na possibilidade de reconhecer os diferentes atores e graus
de organização e participação na vida pública,
bem como sua capacidade de criar práticas de resistência, de inovação
e de produção no território, estruturando-se em torno de
atividades produtivas. É nesta dinâmica que a governance apresenta-se
como novo horizonte de organização institucional das práticas
produtivas, envolvendo necessariamente a geração de espaços
de expressão e participação direta dos movimentos que a
compõem e que precisam ser levadas em conta.
O sétimo texto, Planos Diretores no Brasil: notas sobre Rio de
Janeiro e Belém, de Maria de Fátima Cabral Marques Gomes,
Maria Elvira Rocha de Sá e Sandra Helena Ribeiro Cruz, rearticula a temática
das políticas públicas ao buscar, a partir da experiência
da cooperação, analisar alguns elementos histórico-empíricos
obtidos em observação recentemente realizada, no Rio de Janeiro,
junto ao Fórum de Acompanhamento do Plano Diretor e, em Belém,
junto ao Fórum Metropolitano de Reforma Urbana (FMRU). São traçadas,
além disso, algumas especificidades que marcam o conteúdo e debates
públicos acerca da elaboração de Planos Diretores que,
no Brasil, se dão pela associação entre este instrumento
de planejamento e a superação de desigualdades econômicas,
políticas e sociais materializadas no espaço urbano e regional.
O oitavo texto, O dilema das políticas públicas na Amazônia
brasileira e a particularidade do Serviço Social no estado do Pará,
de autoria de Maria Antônia Cardoso Nascimento e Vera Batista Nogueira,
articula as problemáticas regionais com os elementos teóricos
necessários à interpretação das políticas
sociais e seus desdobramentos no Serviço Social, a partir da análise
do processo histórico, político e econômico da Amazônia,
evidenciando, por meio de alguns indicadores sociais, o dilema das políticas
públicas, particularmente no estado do Pará. As autoras destacam
ainda o papel do Serviço Social em face das demandas postas pelos principais
segmentos sociais demandantes das políticas governamentais.
O nono texto, Fluxos migratórios na Amazônia. Algumas evidências
a partir do caso do município de Santarém, de Leonora Corsini
e Solange Gayoso, articula a problemática das migrações
com as questões do desenvolvimento do território, questões
estas que dificilmente podem ser deixadas de lado quando se discute pobreza
e desigualdade.
Finalmente, dando continuidade a uma reflexão teórica e conceitual
sobre as migrações, o texto Migrações: exército
industrial de reserva em escala global? de Patrícia Daros recupera
a discussão teórica, problematizando a categoria marxiana de Exército
Industrial de Reserva a partir de uma releitura crítica à luz
das transformações produtivas do capitalismo contemporâneo.
Acreditamos poder, com este conjunto de reflexões, expressar minimamente
alguns dos estudos, pesquisas e debates sobre os desafios que se colocam sobre
SERVIÇO SOCIAL, GESTÃO LOCAL E POLÍTICAS PÚBLICAS
NA AMAZÔNIA e que marcaram esta experiência de cooperação
entre os Programas de Pós-Graduação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Pará, possibilitado pelo
CNPq.
Hélder
Boska de Moraes Sarmento
Maria José Barbosa