Comunicação para a Cidadania
É com satisfação
que apresentamos aqui esta coletânea de trabalhos que sintetizam algumas
das principais discussões realizadas atualmente no Núcleo de Pesquisas
Comunicação para a Cidadania, da Intercom. Em certa medida damos
continuidade à obra que leva o mesmo nome, organizada pela ex-coordenadora
do NP, Denise Maria Cogo, pesquisadora na Unisinos, e pelo professor João
Maia, da Uerj, em 2005. Aqui, optamos por inserir o complemento caminhos
e impasses por ser essa, talvez, a expressão que melhor resume
o encontro do NP em 2007.
De fato, ao mesmo
tempo em que para a alegria de quem se sente comprometido com as lutas
por uma sociedade mais igualitária se desenvolvem com intensidade
no País experiências concretas, mais ou menos criativas, de apoio
a uma cidadania no campo da cultura e da comunicação, crescem
também os debates teóricos sobre os alcances, as limitações,
os impasses, a pertinência, os conceitos relativos ao que seria a comunicação
cidadã.
Tal dimensão
teórica é a preocupação da primeira parte do livro,
em que se discute Comunicação, cultura e cidadania: conceitos,
impasses e perspectivas. Eduardo Yamamoto traz texto provocador: embora
os termos popular e comunitário muitas vezes sejam utilizados como sinônimos,
Yamamoto recupera o debate sobre as diferenças entre ambos e argumenta
que comunicação popular remeteria ao conjunto de práticas
que apontam para uma ruptura com a ordem capitalista, enquanto a comunicação
comunitária teria abandonado esse ideal e atualmente passaria a reproduzir
características das mídias tradicionais.
Mohammed Elhajji
analisa as relações entre mídia comunitária étnica
cultural e a construção de novos espaços identitários
marcados pela transnacionalidade, pluripertencimento e múltipla lealdade.
O estudo procede, de um lado, a uma leitura crítica das bases teóricas
e metodológicas freqüentemente adotadas neste tipo de abordagem,
e, por outro lado, tenta compreender a função social e política
da mídia comunitária das comunidades transnacionais.
Para Rozinaldo
Miani e Ludmilla Fregonesi, a preocupação está centrada
na discussão e sistematização do conceito de política
de comunicação no contexto das organizações sociais.
Destacam-se, nessa conceituação, as dimensões participativa
e de educação popular voltadas para a conscientização
dos participantes dos movimentos sociais e populares. Encerram a primeira parte
do livro artigos de Laura Tresca sobre a importância de se incentivar
a comunicação comunitária, na perspectiva da democracia
e do desenvolvimento; e de Lilian Crepaldi, que nos traz o debate sobre identidade,
representação e imaginário na América Latina.
Cidadania,
redes e novas tecnologias é o tema que compõe a segunda
parte do livro, voltada para questões relativas especificamente às
chamadas novas tecnologias da comunicação e da informação.
Márcia Vidal Nunes desenvolve uma reflexão a partir da seguinte
indagação: até que ponto ações de inclusão
digital executadas por organizações não governamentais
contribuem para a ampliação da participação e da
politização das pessoas, elevando o seu nível de consciência
crítica, ou acabam atenuando os níveis de desigualdade social,
contribuindo para que a internet se transforme em instrumento de otimização
produtiva e arma de controle social? A pesquisadora discute, com dados relativos
a duas ações concretas, essas grandes e conflitantes
perspectivas de inclusão digital.
Patrícia
Saldanha debate a potencialidade das comunicações digitais como
arma na tentativa de resgate de laços comunitários perdidos com
o enfraquecimento do Estado e o avanço do mercado. Seriam agrupamentos
virtuais, e não comunidades, aqueles grupos de pessoas que, como no Orkut,
na maioria das vezes mal se conhecem e estabelecem apenas um contato on line,
garantido pela superficialidade. Embora potencializem a comunicação
intragrupos, tais ferramentas digitais pouco ou nada contribuiriam para o estreitamento
de laços ou, menos ainda, para a comunicação comunitária.
Fecha esse bloco
o texto de nossa autoria sobre o telecentro como equipamento de comunicação
comunitária, problematizando também, como faz Márcia Vidal
Nunes, sobre as alternativas de inclusão digital mais presentes no País:
fomento à construção de uma cidadania participativa, ou
uma forma de consumo subalterno sob hegemonia dos grupos transnacionais de comunicação
e informação.
A terceira parte
da obra é composta por cinco artigos, em que se discutem experiências
de comunicação na construção da cidadania em diferentes
regiões do País: Ceará, Pará, Minas Gerais, Amazonas
e Piauí. Alexandre Barbalho abre esse bloco, analisando o programa de
TV NoAr, produzido por jovens que participam da ONG Alpendre, em Fortaleza.
Partindo do entendimento de juventude como minoria ou seja, como discurso
minoritário o pesquisador procura compreender como os jovens observam
e produzem a realidade através de suas práticas audiovisuais.
O rádio
é um ponto comum aos outros quatro trabalhos deste bloco, que partem
de pontos de vista e analisam práticas comunicativas bem distintas. Guilherme
Figueiredo centra-se na discussão sobre a importância de uma comunicação
livre, a partir de experiência implementada por um coletivo aberto e autônomo
em Tefé, no Amazonas, em contraposição aos monopólios
políticos e comerciais da comunicação. Cláudia Lahni
e Fernanda Coelho relatam de que maneira o rádio é utilizado em
uma oficina integrada a um programa de atendimento à infância
e juventude em Juiz de Fora (MG) que tem como objetivo desenvolver o
senso crítico dos adolescentes em relação à mídia
massiva. No artigo de Orlando Berti, a preocupação principal é
a discussão sobre a construção da cidadania rural pelas
rádios comunitárias de uma região da qual poucos se lembram,
o Sertão do Nordeste, interior do Piauí. Para isso, efetua pesquisa
em uma rádio na cidade chamada Dom Expedito Lopes, onde a emissora se
constitui na única mídia em que a população local
é representada.
O contraponto
é feito por Marcelo Gabbay, que apresenta experiência no Maranhão
em que, mesmo em projeto de comunicação proposto como forma de
reflexão e oposição ao sistema mídia-poder, foi
possível verificar como o rádio massivo interfere no processo
de estereotipação do sujeito, promovendo coerção
simbólica e estagnação da produção cultural
da comunidade.
Na quarta e última
parte, Comunicação, identidades culturais e cidadania,
apresentamos três textos: Maria Luiza Mendonça se debruça
sobre o fenômeno da imprensa gratuita, em forte crescimento em vários
países. Especificamente, analisa jornais distribuídos em Barcelona,
Espanha, para verificar a representação e expressão de
imigrantes nesses meios, que ocupam lugar central nas disputas pela hegemonia
e pela fixação dos significados sociais. Como se constitui a identidade
de jovens camponeses através do conflito entre a recepção
radiofônica e a mediação do Movimento dos Atingidos por
Barragens, no município catarinense de Anita Garibaldi, é o foco
principal do trabalho de Alexania Rossato e Veneza Ronsini. E Pablo Bastos fecha
este bloco e o livro, em reflexão sobre identidade, globalização
e cultura popular, ao analisar os contextos históricos de surgimento
do Movimento Hip Hop nos Estados Unidos e no Brasil.
Finalmente, vale observar que esses 16 artigos foram selecionados pelos participantes do NP, de forma aberta, entre os 28 trabalhos apresentados na reunião do Núcleo realizada em Santos, durante o XXX Congresso da Intercom, em 2007. Convidamos os interessados a participar dos próximos encontros, encaminhando artigos, promovendo discussões e, assim, enriquecendo o ambiente de debates que deve cercar a produção cultural e acadêmica em torno do tema Comunicação para a Cidadania.
Juiz de Fora, julho de 2008.
Bruno
Fuser
Coordenador do NP Comunicação para a Cidadania
Intercom