Inovação, Redes, Espaço e Desenvolvimento
Maria Cristina Ortigão Sampaio Schiller
Em meados dos
anos 1970, a temática da Inovação entra definitivamente
nas reflexões da Ciência Regional como fator preponderante da dinâmica
do desenvolvimento dos territórios. Com efeito, até então,
a lacuna era grande diante das questões pertinentes que a envolviam no
contexto da análise espacial, visto a ausência, na literatura internacional,
de reflexões sistêmicas referentes à organização
espacial da inovação, de sua evolução contemporânea
e de suas conseqüências. Os trabalhos de Martin F. (The Regional
factor in the diffusion of Innovations, Conseil Economique du Canada, 1976)
e, principalmente, de Planque B. (Innovation et Développemet Regional,
1981), a meu juízo, deram o empurrão necessário para o
início do entendimento científico do papel da inovação
no desenvolvimento urbano e regional.
Dessa época
para cá, a Ciência Regional, com a contribuição não
só da Economia, mas também da Geografia e da Sociologia, avançou.
Com efeito, a emergência de contribuições na temática
foi exponencial. Nos anos 1980, na Europa, foi criado o Groupe de Recherche
sur les Milieux Innovateurs (Gremi), por iniciativa da Escola Francesa, mais
precisamente por Ph. Aydalot, mas também por B. Planque e outros pesquisadores
europeus, tentando investigar a origem do fenômeno do crescimento econômico
de algumas regiões pelo viés da inovação organizacional
e tecnológica nos países europeus, mas também em outros
continentes, como na América do Norte (Canadá e USA) e na Ásia.
Rapidamente, ainda nessa década, todas as Associações Internacionais
de Ciência Regional abraçaram a temática como foco de investigação
e procuraram entender o papel da inovação no desenvolvimento local
e das regiões. No caso norte-americano, o Silicon Valley e, na Europa,
Cambridge e Sophia-Antipolis, eram os grandes modelos de sucesso a pesquisar
e a comparar.
Nos anos 90, as
idéias e reflexões científicas na matéria passaram
para a prática e, em muitos países, inspiraram políticas
públicas em todos os continentes. A idéia central era promover
a política de desenvolvimento from below, e não mais
por iniciativas de planejamento de cima para baixo, principalmente
diante do fenômeno da globalização, que avançava
a passos largos. Com efeito, diante deste fato, a OCDE, juntamente com a Datar
do governo francês (principal agência estatal de políticas
de desenvolvimento e de ordenação territorial) promoveu em 2000
o 1º. Congresso Mundial sobre os Sistemas Produtivos Locais cuja tônica,
em Paris, foi justamente analisar a ocorrência do desenvolvimento, dito
endógeno, e as políticas regionais de vários países
diante do novo paradigma do desenvolvimento regional, principalmente pelo viés
da inovação, das redes de cooperação e da contribuição
das PMEs.
Entramos no século
XXI e o desenvolvimento local é o novo foco das atenções
e das políticas públicas do desenvolvimento dos territórios,
aliás, como as políticas dos pólos de crescimento e de
desenvolvimento, bem como as de instalação dos Complexos Industriais,
que marcaram época até os anos 70. Com efeito, as experiências
de políticas de desenvolvimento regional em quase todos os continentes
estão pautadas nos Sistemas Produtivos Locais, nos nichos regionais de
inovação, nos clusters, nos milieux innovateurs, nos parques de
inovação etc. Os rótulos são sinônimos de
um mesmo referencial teórico que os prega como sendo o principal instrumento
do desenvolvimento das regiões.
No Brasil, cunhamos
este fenômeno espacial e as respectivas políticas de Arranjos Produtivos
Locais. No primeiro governo Lula, o MITCE, chegou, inclusive, a eleger, para
todos os estados da Federação, os arranjos passíveis de
fomento, principalmente, pelas agências de desenvolvimento, do tipo BNDES,
Basa etc.
No que tange à
sistematização das análises, os trabalhos até aqui
foram esparsos, limitando-se a alguns relatórios de pesquisa pontuais
sobre estudos de caso, bem como algumas interpretações, adaptando
e debatendo, para o caso brasileiro, certos aspectos do referencial teórico,
pautado nas experiências internacionais.
O presente trabalho,
pelo conjunto complementar dos capítulos da obra, cobre esta lacuna uma
vez que sistematiza estas questões e principalmente enquadra didaticamente
o binômio Espaço & Inovação no contexto da realidade
brasileira e, principalmente, do Estado do Rio de Janeiro, território,
como é sabido, de grande concentração, notadamente de instituições
e entidades de pesquisa no Brasil.
Para concluir,
vale fazer menção a dois aspectos considerados essenciais para
o prosseguimento frutífero dos estudos sobre o binômio Espaço
& Inovação no país.
O primeiro aspecto
diz respeito à base de informações estatísticas
e demais evidências empíricas relativas à evolução
técnica dos aglomerados setoriais localizados no território nacional.
A rigor, deve-se admitir que a base de informações estatísticas
oficiais no Brasil tem melhorado significativamente ao longo das últimas
décadas. Não obstante, ainda persistem alguns problemas de comparabilidade
entre séries temporais e, principalmente, entre unidades espaciais. Com
efeito, são freqüentes, por exemplo, os casos de alterações
nos desenhos das amostras e de mudanças nos critérios e na periodicidade
empregada na coleta dos dados estatísticos. Normalmente, os efeitos dessas
mudanças acabam se diluindo nas análises agregadas. Em resumo,
é importante alertar para o fato de que o prosseguimento e/ou aprofundamento
dos estudos e a correta interpretação do comportamento dos aglomerados
setoriais localizados, que identificam os Arranjos produtivos locais operando
nas próximas décadas no país, irão depender fundamentalmente
da disponibilidade de informações coerentes e confiáveis.
Um segundo aspecto,
não menos importante, a ser considerado refere-se às características
do nível de informações microeconômicas disponíveis
nas escalas inferiores das unidades espaciais. O corte espacial dos setores
censitários foi, indubitavelmente, um avanço importante
no processo de coleta de informações censitárias. Entretanto,
as características e o nível de detalhamento das informações
microeconômicas ainda torna-se um empecilho para analisar e avaliar certos
fenômenos qualitativos (intensidade e densidade das redes de cooperação,
esforços em matéria de P&D das empresas etc., por exemplo)
e mudanças no perfil das atividades produtivas, principalmente no que
tange, por exemplo, à P&D praticada pelo parque produtivo. A interrupção
dos censos econômicos, na década de 80, foi uma grande perda para
a prática das investigações sobre o perfil do parque produtivo
das unidades espaciais e de sua evolução no cenário brasileiro.
Alguns tópicos constantes da obra de Cristina Schiller sugerem aprofundamentos e/ou pistas de pesquisa para o caso brasileiro e que, uma vez considerados, poderão responder questões importantes para o entendimento deste novo paradigma do desenvolvimento regional no país, bem como avaliar as potencialidades da sociedade brasileira para as próximas décadas.
Henrique
da Fonseca Netto
Coppe/UFRJ