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Metamorfose no trabalho industrial

Zânia Maria Rios Aguiar Vieira

A finalização da pesquisa traz a conscientização de que os problemas levantados e as críticas construídas em torno dos impactos da terceirização na cultura organizacional da Gradiente Eletrônica S.A, do Distrito Industrial de Manaus (DIM), é um flagrante de um determinado momento, ou seja, tem-se clareza dos limites do ambiente econômico, político, social etc. onde ela se insere. Investigar tais impactos, através de um estudo de caso que resulta numa dissertação de mestrado e que origina esse livro, é ter a certeza de que as conclusões aqui enumeradas são particulares da empresa. Referem-se ao momento da realização da investigação e aos modos vigentes de gestão da produção e do trabalho, à percepção dos colaboradores efetivos e terceirizados sobre o seu trabalho, às políticas de recursos humanos, bem como às estratégias de negócio que direcionaram a implementação do processo de terceirização.

Dizer que o “dever foi cumprido” é muito pouco, diante da sensação de prazer em ver o resultado do que foi planejado, estudado, sofrido. Foram muitas as dificuldades enfrentadas, desde o momento de definir a metodologia até se chegar ao locus da pesquisa: a indisponibilidade de dados sobre o processo de terceirização implementado no Polo Industrial de Manaus (PIM), a polêmica que o próprio tema “terceirização” reproduz, o esforço para aplicar os instrumentos junto aos colaboradores que trabalham na área de produção da empresa. Somados a estas dificuldades, é necessário acrescentar o rigor e a precisão na coleta, tratamento e análise dos dados e informações como uma exigência particular da investigadora e sua orientadora, objetivando um trabalho de qualidade que possa contribuir para a ciência de maneira satisfatória. Enfim, concluir a dissertação e posteriormente o livro, é ter a certeza de que tudo que foi conseguido ainda não é o bastante, é apenas um começo de uma série de reflexões que o apanhado do momento não permitiu desvelar. Muitas “lacunas” existem, tem-se consciência disso, mas o que aqui está posto, foi o possível de realizar.

Pelos levantamentos efetuados constata-se que os impactos no mundo do trabalho, ocasionados pela reestruturação produtiva implementada pelas organizações nos últimos anos são tão grandes que refletem na cultura de cada organização. Aliás, como diria Srour (1998, p.175): “as culturas organizacionais gritam de tão diversas que são quando ocorrem fusões, aquisições ou incorporações de empresas, sob o fogo cruzado da multiplicidade das maneiras de ser”. Reagem ainda quando, para atender as exigências da competitividade, inovam a tecnologia, alteram as formas de gestão do trabalho, enfim, nesta hora, “‘um choque cultural’ acontece, e seu refluxo desorienta os agentes, podendo paralisar o dia-a-dia das atividades [...] pondo a nu os padrões culturais que os anos cristalizaram” (op. cit.).

O processo de terceirização implantado nas indústrias como uma estratégia para a redução de custos, ao lado do fechamento de postos de trabalho e da precariedade dos salários e benefícios sociais, é uma exigência resultante do crescimento mundial do capitalismo. Com isso, decresce o emprego formal, cresce o emprego informal e em condições precárias, fragmentando a classe dos trabalhadores com relação à qualificação, ao gênero e ao aspecto etário. Enfim, surgem novas configurações de classes operárias: a classe da “elite” de trabalhadores qualificados e com direitos sociais assegurados identificados na Gradiente como uma parcela reduzida de colaboradores efetivos, e a classe de subproletários, identificados como a outra parcela dos colaboradores efetivos, os operários da produção e colaboradores terceirizados, que têm os salários mais baixos, temem o desemprego e são discriminados.

As metamorfoses no trabalho industrial atingem de forma feroz a estrutura da classe operária, geram diferenciações no interior da fábrica com relação aos salários, benefícios, interesses, motivações e consciências; atingem valores, estilos de liderança, o modo de ser e se comportar dos trabalhadores. Há que se ressaltar nesse processo, a captura da subjetividade operária, como denomina Alves (2000), quando a busca do consentimento operário e do seu envolvimento com a lógica da produção capitalista determina o modo como os colaboradores percebem o trabalho, avaliam a empresa, as chefias e o processo de terceirização.

Essas transformações profundas de ordem econômica, política e social ocorridas recentemente no mundo estão presentes na pauta de discussões dos últimos anos. Têm origem nas crises vivenciadas pelo capitalismo ao longo dos anos, decorrentes, sobretudo, da tendência decrescente das taxas de lucro. Sob a lógica da maximização da mais-valia, o grande capital busca superar essas crises, adotando medidas que atingem o mundo do trabalho de forma perversa. Dentre as medidas, os processos de flexibilidade da produção parecem intensificar a precariedade do trabalho, a exclusão de trabalhadores do mercado formal e a fragilidade do movimento sindical.

Para a superação dessa crise econômica o capital se reestrutura no âmbito da produção e dos mercados. Ocorrem privatizações de empresas estatais, fusões de empresas, desregulamentações e redução da participação do Estado na economia.

A recessão, o desemprego, a ameaça de queda da atividade industrial e o retrocesso democrático resultantes do neoliberalismo fazem a economia e a sociedade brasileiras resistirem no governo Sarney. Com a derrota do candidato do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, na eleição de 1989, e a vitória do candidato Fernando Collor de Mello, o país ingressa nos experimentos neoliberais. A adoção de políticas neoliberais no Brasil é tardia, considerando que em vários países da América Latina, como Chile, Bolívia, México e Argentina, a prática neoliberal ocorre já na década de 1980. Os “ajustes neoliberais” produzidos mais intensamente pelo Plano Collor (1991-1993) e pelo Plano Real (1994), no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, conduzem o Brasil a recessões econômicas históricas, que atingem os setores de ponta da indústria nacional, promovem o desemprego e debilitam a base de mobilização operária e sindical.

Diante desse novo cenário, as empresas promovem profundas mudanças na organização industrial, visando enfrentar a recessão e vencer a concorrência internacional. Nesse contexto, os Programas de Qualidade Total, de Reengenharia, de Downsizing e de Terceirização implantados, parecem contribuir com a precariedade e enxugamento dos empregos, com a redução dos salários, com a elevação da produtividade do trabalho e horizontalização (ou desverticalização) das estruturas organizacionais. Essa lógica do capital e os valores neoliberais permitem a adoção de novos padrões tecnológico e organizacional.

Nesse ambiente de transformações produtivas, o tema “Terceirização” ganha importância nos âmbitos empresarial, acadêmico e sindical. Compreendida como “um modo de descentralização produtiva voltada para a desverticalização das empresas e de externalização das atividades” (Alves, 1996, p.143), a terceirização impulsiona as relações entre grandes e pequenas empresas, levam à criação de redes de subcontratação e a relacionamento entre empresas de forma diferenciada, prática que tem funcionado como uma alternativa no tocante à flexibilidade organizacional, especialização e racionalização de recursos. O autor observa que no Brasil a terceirização se dá à custa da intensificação maior do trabalho e da manutenção da estrutura de poder, com poucas mudanças na hierarquia, cujo verdadeiro significado é a precariedade do mercado e das condições de trabalho.

Estatísticas da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) deixam claro que o processo de terceirização tem avançado nas indústrias da Zona Franca de Manaus (ZFM). De 1999 a 2001, as indústrias do Polo Industrial da Zona Franca de Manaus elevaram em 52,50% o número de trabalhadores terceirizados, ou seja, em janeiro de 1999 eram 2.312 trabalhadores e em dezembro de 2001 as indústrias contavam com 3.526 trabalhadores terceirizados. No mesmo período, as indústrias empregavam 41.577 trabalhadores efetivos (janeiro/1999), contra 45.669 (dezembro/2001), o que significou um aumento de apenas 9,84%. Ou seja, o percentual de aumento de trabalhadores terceirizados é mais de cinco vezes o percentual de aumento do número de trabalhadores efetivos. Em janeiro de 2002 o número de trabalhadores terceirizados totalizava 3.209 e em dezembro era de 3.368, representando um crescimento, no ano, de 4,95%. O ano de 2003 iniciou com uma elevação da taxa de terceirização de 1,69%, no mês de janeiro, comparada ao mês de dezembro de 2002.

As mudanças socioeconômicas e sociopolíticas que ocorrem no mundo levam as organizações a buscar a sobrevivência no mercado competitivo e trazer, para interagir no ambiente interno, terceiros ou fornecedores de produtos ou serviços antes produzidos com seus próprios recursos e em seu próprio espaço. Isto tudo desencadeia alterações na forma como as pessoas se comportam, nos valores e seus significados.

As incertezas, insegurança, inquietações e mudança global obrigam as organizações empresariais a buscarem também o autoconhecimento, como pré-requisito para uma redefinição de suas políticas, objetivos, metas, custos, qualidade e produtividade e conseguirem um desempenho satisfatório que as permita não apenas sobreviver, mas crescer. Todo esse planejamento que implica decisões está relacionado à cultura organizacional, pois ela faz parte, com maior ou menor intensidade, do modo de pensar, de agir e de se comportar da organização. Pode-se dizer, então, que a cultura organizacional é a essência de todas as ações que movimentam a organização.

Com base no exposto e considerando que a prática da terceirização faz parte de uma estratégia que poderá gerar mudanças na organização, torna-se importante analisar os impactos dessa prática na cultura organizacional. Estudos sobre as condições e as relações de trabalho dos terceirizados existem de forma localizada, como os citados por Gitahy (1994) no complexo calçadista Rio Grande do Sul, no setor de confecções no Rio de Janeiro, no setor de autopeças no interior de São Paulo. Druck (2001) também priorizou o tema, a partir de pesquisa no complexo petroquímico de Camaçari, na Bahia. Na região Norte do país, há, portanto, uma carência de estudos científicos com esse foco, apesar da existência do Polo Industrial da Zona Franca de Manaus-Amazonas, locus potencial de pesquisa, onde cresce o número de empregos terceirizados, segundo estatísticas levantadas pela Suframa.

Considerando o avanço do processo de terceirização nas organizações, a escassez de estudos empíricos sobre o tema e a importância de se conhecer os efeitos sobre a cultura das organizações e, de forma mais específica, sobre o mundo do trabalho, o investimento nessa empreitada apresenta-se como oportuno e de peculiar relevância.

Portanto, no Capítulo 1, é historiada a ofensiva capitalista que impõe reestruturações nas empresas e afeta o mundo do trabalho. No Capítulo 2, faz-se uma revisão bibliográfica do processo de terceirização no Brasil e o significado da cultura organizacional. No Capítulo 3, caracteriza-se o locus da pesquisa, explicando como se deu a ofensiva capitalista na região amazônica, a implantação do Distrito Industrial de Manaus e o perfil da Gradiente Eletrônica S.A. e o processo de terceirização na empresa. No Capítulo 4, apresenta-se, de forma crítica, a metamorfose no trabalho industrial, na percepção dos trabalhadores efetivos e no Capítulo 5, analisa-se a precariedade do trabalho através da terceirização e seus impactos na cultura organizacional.

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