capa do livro

A escolarização da brincadeira

Dianne Prestes

Este livro é a edição do texto final de minha monografia do final de curso de graduação em Pedagogia, na Universidade de Brasília. O tema abordado diz respeito ao lugar do brincar na vida de crianças de até 6 anos de idade, principalmente nas instituições escolares de educação infantil. Por isso, tomo a liberdade de relatar parte da minha infância, ao invés de me ater somente à minha trajetória acadêmica.

Não me recordo muito dos meus três primeiros anos, das minhas escolas. Não tenho ideia de como eram as professoras, ou mesmo do que fazíamos por lá. Porém, tenho muitas lembranças das brincadeiras que fazia em casa, dos brinquedos que tinha. Havia uma pequena plantação de hortelã onde eu morava e me lembro de levar minha boneca para passear no carrinho pela plantação e fazer várias “comidas” com a hortelã.

A minha primeira recordação da instituição escola é de quando eu já tinha de 4 para 5 anos e havia mudado para uma outra que ficava dentro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Uma escola com muitas árvores, plantas e animais. Porém, mais uma vez não me recordo do que acontecia em sala de aula, somente me lembro do tempo que passava no parque ou jardim, das brincadeiras que inventávamos. Já fui protetora dos animais, e não deixava que pisassem em nenhuma formiga; já fui apresentadora de televisão; já fui mãe, avó e até mesmo pai, quando algum menino não queria participar das nossas brincadeiras.

Minhas brincadeiras se estendiam a outros espaços do meu cotidiano. Chegava em casa e logo começava a dispor do que eu brincaria naquela tarde. Isso quando não convidava uma amiga e passava horas arrumando e brincando.

Uma coisa interessante é o quanto os objetos remetem a lembranças engraçadas. Minha avó tem uma máquina de escrever bem velha, que faz um barulhão; ela me encantava, passava horas “escrevendo” cartas para todas as pessoas. Certo dia, descobri em uma gaveta vários talões de notas fiscais, carimbos e papéis timbrados. Não pensei duas vezes, peguei tudo que consegui e lá fui eu ser a bancária, a vendedora, a atendente de telemarketing. Não me lembro se gastei todos os papéis que havia pegado, só da bronca que levei quando minha avó descobriu o que eu fizera. Quando revi a máquina de escrever no canto do escritório da casa da minha vó, muitas lembranças vieram à tona.

Dentre essas tantas brincadeiras, não me lembro de nenhuma que ocorrera em sala de aula; sequer me recordo se havia algum horário estipulado para que elas ocorressem. No entanto, lembro-me dos presentes que fazíamos para nossas mães no Dia das Mães, das músicas que tínhamos que aprender para cantar em alguma apresentação para os pais, dos desenhos que fazíamos e em que tínhamos que escrever o nome.

Quando mudei de escola novamente para ingressar no Ensino Fundamental o choque foi maior ainda; não havia jardim na escola, nem árvores, as aulas eram todas para aprendermos a ler e escrever, precisávamos nos preocupar em lanchar durante o intervalo e, se sobrasse algum tempo, podíamos dividir uma quadra de esporte com mais um monte de crianças para brincar de alguma coisa.

Portanto, o espaço escolar para mim nunca foi acolhedor das minhas brincadeiras. Essa atividade era permitida em horários livres nos quais as professoras ficavam sentadas conversando, lanchando.

Porém, o espaço que tive para brincar durante os primeiros anos da minha vida foi grande e disso não posso reclamar, já fui desde mãe solteira a bandido que mata.

Meu interesse pela brincadeira não se deu com a minha entrada no curso de Pedagogia. Comecei a observar e perceber algumas nuances dessa atividade quando minha irmã nasceu. Ela brincava e eu brincava junto com ela, eu percebia a necessidade do faz de conta, do quanto ela gostava de ser a minha mãe, ou a médica que me examinava.

No curso de Pedagogia, descobri que poderia estudar isso; dediquei boa parte dos meus quatro anos de graduação observando e anotando brincadeiras de faz de conta. Tive a felicidade de encontrar a professora Alexandra que me apoiou e me incentivou a continuar a pesquisar sobre essa atividade infantil, até que, já no final do meu curso, conheci um grupo de estudo do qual minha mãe fazia parte e – coincidência ou não – a brincadeira era um assunto bem presente em suas conversas. Fui apresentada ao pensamento de alguns teóricos, e Vigotski começou a fazer parte de meus referenciais acadêmicos, principalmente no que concerne ao faz de conta.

Neste livro, esses acontecimentos da minha vida se encontram.

Gostaria de agradecer a várias pessoas que contribuíram para que este trabalho virasse realidade.

Agradeço a todas as crianças com as quais pude conviver, conversar, brincar, rir, aprender e ensinar. Agradeço à minha mãe, ao Octávio, à vó Maria, à Anna e à Rosa Baiana. Agradeço também de forma especial à Rebeca, à Andressa, ao Diego, à Quéren, ao Guga, à Luciana, à Núbia, à Bebel, à Carla, à Penélope, à Tereza e à Elis. Meu muito obrigada à Vivendo e Aprendendo. Gostaria de declarar a minha gratidão às professoras e aos professores da Faculdade de Educação da UnB: Beth, Ingrid, Patrícia, Alexandra, Cida, Norma, Sônia, Marcelo Reges, Wiviam, Villar, Marta, Maria Helena, Maria Stella, Cristina Coelho, Neuza, Cristina Leite, Denise, Ana e Fátima Vidal. Por fim, agradeço a todos os professores que fizeram diferença na minha formação.

Veja também

capa do livro

Práticas Discursivas ao Olhar

Notas sobre a vidência e a cegueira na formação do pedagogo

Armando M. Barros