Construção da abordagem das capabilidades v.II
A economia ética, plural, tolerante e democrática do economista-filósofo Amartya Kumar Sen
Este livro reúne os três capítulos do segundo volume de uma obra divida em três partes. O volume I (Machado, 2020) explorou as tentativas de respostas epistemológicas elaboradas por Sen, e pela economia normativa até 1951, para resolver as dificuldades levantadas para articular a dimensão científica da teoria econômica e o caráter político e normativo que algumas vezes assume. Agora, este volume propõe analisar o conteúdo normativo das contribuições de Sen para a economia, particularmente do ponto de vista da contribuição que elas constituem para a compreensão do “bem-estar” que respeite a diversidade1. Portanto, não se trata mais de esclarecer a epistemologia mobilizada por diferentes autores para pensar sobre o papel prescritivo da economia, mas, antes, determinar em que as teorias de Sen (críticas, definições e as diferentes noções que desenvolve) renovam a economia normativa e modifica sua concepção de bem-estar.
O início dos anos 1970 é a ocasião para Sen começar uma crítica ao utilitarismo, aos fundamentos filosóficos da economia do bem-estar e a teoria da escolha social, que atingiu seu apogeu no final dos 1970 e 1980, e continua durante os anos 1990. Paralelamente, o termo “capabilidades” apareceu pela primeira vez em 1980, mas a “abordagem” de Sen construída em torno dessa noção emergirá somente a partir de 1985. Assim, é possível interpretar a abordagem das capabilidades como uma resposta às diferentes falhas que Sen atribui à economia normativa. As numerosas críticas que ele fórmula contra o welfarismo, por exemplo, liberam, ao contrário, os eixos apropriados para uma melhor teoria da avaliação, e repousa sobre ferramentas analíticas que serão reutilizadas no interior da abordagem das capabilidades. A fase crítica de seu trabalho define uma “metodologia negativa”, que revela, no sentido fotográfico do termo, os critérios e o conteúdo de uma avaliação adequada do bem-estar individual. Embora os dois períodos – o período crítico e o período construtivo – estejam relativamente próximos, não é inconcebível considerar os trabalhos que Sen consagrou ao utilitarismo como antecedendo às pesquisas sobre as capabilidades. Se a interpretação diacrônica às vezes é um pouco forçada, tem a vantagem de tornar possível explicar o vínculo entre uma intuição analítica crítica e seu uso como um “cimento” argumentativo na abordagem da capabilidade. A leitura dos textos dedicados ao utilitarismo revela a emergência de muitos dos temas e dos conceitos que se tornarão os centros de interesse de Sen ao longo das próximas décadas: o conceito de “base informacional”, o esquecimento utilitarista do papel das ações no julgamento moral ou ainda a possibilidade de uma perspectiva consequencialista, com nuancias.