A Tecnologia e seus Possíveis
Neste livro Fernando Fragozo se faz nos faz a pergunta talvez
mais inquietante hoje para quem se ocupa, com o devido cuidado, de homem e mundo:
pensar ainda é possível?; a quê vem? A pergunta é
estendida por longas páginas por um bom motivo: é que não
é feita no vazio generalista de uma investigação epistemológica
formal, mas no calor de uma vida que é uma história. Este é
o sentido do ainda que modula a questão, retirando-a da aridez (às
vezes doentia) de uma dissertação filosófica;
tal é também a direção do hoje que figurou lá
acima. Pois a pergunta hoje, ainda? é de todo
em todo interessada. Há nela um empenho, não a mera curiosidade
acadêmica de que se nutrem (magra ração!) tantas e tantas
teses. Esse empenho é a vida: o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente, como nos alertou Carlos Drummond de Andrade, pedindo
atenção aos distraídos da linguagem, do pensamento e da
ação.
Pois é do presente que se trata com suas condições; do presente com seu volume existencial profundo e dinâmico e suas esperas, tendências, tensionamentos. O presente, seu passado e seu futuro, já se disse um dia; o presente no seu apresentar-se, solo, irrupção, errância e pro-jeto também se disse; o presente, suas épocas, suas tendências, seu peso na direção de é outra possibilidade. Na exploração dessas determinações de um hoje sobredeterminado tecno-logicamente, o Autor freqüentou, e graduou-se com distinção, as melhores companhias de pensar, sobretudo Heidegger e Stiegler, numa firme insistência em manter a tensão de mundo com homem. Insistências diferentes segundo os autores e suas expectâncias, mas sempre alimentadas pelo agudo conhecimento do perigo (e pelas delicadas, entrevistas, não raro paradoxais intuições das oportunidades) que hoje ronda a vida e o pensamento: o fechamento dos possíveis, o determinismo unidimensional, o mundo avassalado à mercadoria, a mais desfibradora tristeza da vida. Não são cenários de apocalipse: são maneiras cuidadosas, des-veladas, de levantar o véu do Real-hoje e encarar (com algum humor, sempre que possível!) o avesso da sua positividade inegável, do seu sucesso, da sua eficácia. Encarar e encarar-se, riso nos olhos e abismado. Não desertar não criar em si desertos, que crescem.
Porque é possível. O Real-hoje é tão aliciador! Mas ao mesmo tempo nos diz, alguns nos dizem dele, que os afazeres se tornaram impossíveis, que nem mesmo resta esperar. O mundo, no máximo da sua abertura tecno-lógica, absorveu o homem: deixamo-nos levar. Passamos da cultura da comunicação e do sentido para as comunidades organizadas no virtual da informação pura: algoritmos, simulações.
Há pensadores que dizem: Sim senhores, mas isto é justamente o que há para pensar; a técnica não é transparente, ela faz questão fazemos questão dela. E depois mergulham. E recuperam um jeito de pensar que é um jeito de falar e um modo de afazer: com-criação de real e pensamento em que homem e mundo ainda possam se reconhecer e se estranhar, no jogo das semelhanças e das alteridades um jogo vivo.
Fernando Fragozo pertence a essa raça de pensadores. São gente de empenho, paciente e inquieta. Não desesperam. E sabem que esperar não basta. Ensinam, estudam, escrevem. Estão no aberto da vida, e se expõem. Pensam que algo há de ad-vir do trabalho que persiste. O quê, não podem saber. Não se pode saber Tudo.
Marcio
Tavares dAmaral
Programa IDEA Laboratório de História
dos Sistemas de Pensamento
Escola de Comunicação UFRJ