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Augusto de Magalhães - Poemas

José Cezar de Magalhães Filho


A Poesia de Augusto de Magalhães, por Ronaldo Menegaz

Não seria possível falar da poesia de Augusto Cezar de Magalhães sem lembrar a permanência dos valores românticos, do vocabulário, dos sintagmas, das imagens, enfim, do sentimentalismo, de tudo o que ficou do romantismo na memória e na alma do povo brasileiro. Dizem críticos e historiadores da literatura “que o romantismo surgiu como tendência estética do século XIX”, que teve seus primeiros balbucios nas regiões germânicas e célticas da Europa fria e enevoada, mais favoráveis ao ensimesmamento e à reflexão, à auscultação do interior da alma do que as regiões iluminadas pelo céu e pelo sol do Mediterrâneo. Mas, a despeito dessa regionalização do despertar da escola romântica, um pouco de romantismo, como uma semente fértil, está sempre pronta a se desenvolver no coração e na mente de todos os povos e, especialmente, nos de nosso povo brasileiro, marcado que é pela saudade ibérica, pela nostalgia ameríndia e pelo banzo africano. Os elementos formadores de nossa identidade cultural, os percalços de nossa história, a índole de nossa miscigenação, levam-nos mais para o recolhimento romântico que para a exaltação solar do classicismo. O primeiro grupo literário brasileiro, ainda que calcado nas normas clássicas de Boileau e dos teóricos do neoclassicismo, se tem os cacoetes clássicos da moda do século XVII, basta-nos atentar para Marília de Dirceu, do luso-brasileiro Tomás Antônio Gonzaga ou para os poemas do mineiro.
Cláudio Manuel da Costa, sob o verniz arcádico de cariz francês, surpreendem-se os suspiros poéticos e saudades do romantismo...

Augusto Cezar de Magalhães é um poeta romântico, um dos inumeráveis poetas pós-românticos que poetaram por todo esse Brasil, todos os tempos. Sentem-se em sua poesia lírica amorosa os ecos profundos de Castro Alves no canto a suas amadas .

Como Castro Alves se faz presente nos poemas de amor, nas descrições da natureza percebem-se as intertextualidades com Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e Fagundes Varela; na visão de uma natureza participante dos tormentos e alegrias da alma do poeta, como é, aliás, o papel da natureza na poesia romântica. Cabe lembrar a citação do nome e de um verso de Castro Alves no poema “Contemplando o Descampado” e do “gentil poeta” Casimiro de Abreu no poema “Nossa Casinha”.

E, ao se falar da continuidade de uma tradição poética brasileira presente na poesia de Augusto Cezar de Magalhães, é impossível deslembrar o poeta ímpar de Espírito Santo da Paraíba, o popular autor do Eu. O livro de poemas de Augusto dos Anjos foi publicado em 1912, quando Augusto Cezar na florida idade de 23 anos, poetando já desde 1909, desloca-se de seu Ceará natal para o Rio de Janeiro. Há um poema, pelo menos, que acusa certamente a leitura de Augusto dos Anjos: “Verão! A terra excicada, / Sob a ameaça de um vulcão / Contempla a atroz debandada / Dos átomos da amplidão / Reina a calmaria bruta./ Anda o inimigo da luz, / O azote que a vida enluta, / No alto farejando pus.”

Como um verdadeiro cearense amante da literatura, não poderiam faltar vocábulos e locuções que remetem ao imortal romance Iracema, de José Martiniano de Alencar: “jurema, virgem morena, na mouta perfumada, a virgem penetrou” e outros ecos do imortal romance de fundação de nossa identidade nacional.

Se Augusto Cezar de Magalhães paga algum tributo ao classicismo, isso se realiza mais na linha do conceptismo barroco do século XVII, em poemas constituídos pela alternância de versos que interrogam e de versos que respondem, numa engenhosidade digna dos poetas da coletâneas da Fênix Renascida ou do Postilhão de Apolo. Veja-se, por exemplo o poema: “Quem diz que de sofrer não mais acabo?/ O diabo./ O que me traz em desprazer profundo? / O mundo/ E o que ama que meu rosto assim descarne / A carne, / Dá-me graça, meu Deus, que se encarne/ Em mim o teu Espírito amoroso / Para eu abandonar ditoso/ O diabo, o mundo e a carne.” Ainda na linha do pensamento e do imaginário barrocos situam-se, como no soneto “Fé”, os versos do segundo quarteto: “Ensinas-me a fugir do amor que passa / Consolador hipócrita do aflito / e a merecer favores do Infinito,/ No cativeiro vil dessa carcaça.”
Um outro aspecto não desprezível da poesia de Augusto Cezar de Magalhães é o da religiosidade; Jesus e Maria são fontes perenes de uma inspiração religiosa que atinge, em certos momentos, acentos de forte ascese e misticismo. Maria não é só a gloriosa mãe de Jesus, mas é também imagem alcandorada da mulher perfeita, da mãe solícita e da esposa virtuosa. Na esfera dessa religiosidade e dessa mística situam-se a família e, distinguidamente, as filhas e o filho caçula.

Do ponto de vista do léxico dessa rica poesia, há que se notar a diversidade do vocabulário de que lança mão o poeta na busca de sua expressão; de um lado, observa-se o uso de um vocabulário tipicamente livresco, encontradiço nos poetas que constituem suas leituras. São vocábulos e sintagmas raros como: alígera, impretérita, frouxel, vagas quérulas, plecto, punícia flor, celífluas noites, exul, ebrifestivo e outros tantos. Não se pode, porém, de pontuar o moderno emprego de um vocabulário que remete à natureza brasileira, suas plantas, suas flores, suas aves e animais: daí a presença do uirapuru, da juriti, da acauã e da nambu, de rolinhas e gaturamos, aroeiras, buritis, manacás e baraúnas e sempre o já emblemático sabiá.
Não se poderia deixar de fazer menção, ao se tratar, mesmo ligeiramente, da poesia de Augusto Cezar de Magalhães, ao conhecimento e à mestria do poeta no uso dos metros poéticos mais usuais da poesia da língua portuguesa. Seus decassílabos e alexandrinos são perfeitos; o endecassílabo, metro tão magistralmente usado por Gonçalves Dias e já presente no Cancioneiro Geral de Garcia de Rezende, tem no poeta um hábil cultor. O mesmo se poderá dizer da tradicionalíssima redondilha maior ou menor dos poemas de medida velha do imortal Camões. Além da métrica de tanta habilidade, é de justiça lembrar o uso sempre exato das estrofações tradicionais, como as oitavas , tanto de redondilhas, como no poema “Ao Mar”, quanto de decassílabos, como em “Folha Seca”, os dísticos e os tercetos: as combinações de medidas como a lira (versos decassílabos e hexassílabos) e a velha forma imortalizada por Petrarca, o soneto de catorze versos decassílabos ordenados em dois quartetos e dois tercetos; os enjambements do poema “Confiteor”, uma variedade de metros e formas de que vêm confirmar como esse brasileiro do Ceará, terra do sol e da liberdade, era dado às musas e por elas escolhido.

Na atualidade, quando o bom uso de nossa língua portuguesa é tão pouco valorizado, quando nem mesmo os jornais se preocupam com as normas mais comezinhas da gramática, é sempre confortador lembrar como o poeta tratou com conhecimento e habilidade nossa língua. Se o louvamos pela riqueza de seu léxico, não podemos deixar de reconhecer a vernaculidade de sua sintaxe. Para mostrar que aquele que conhece a arte pode desrespeitar seu cânone, Augusto Cezar constrói um poema “Divina Súplica” em que todas as quatro estrofes repetem anaforicamente o solecismo “Deixa eu beijar-te...”

Muito ainda se poderia dizer da poesia de Augusto Cezar de Magalhães, mas o espaço que nos cabe agora é de uma pequena apreciação de sua variada poética.

 

Os Escritos de Augusto de Magalhães, por Murilo Ramos

Amigo Cezar,

Sentimo-nos honrados por ter-nos encaminhado os “escritos” de seu pai: Augusto de Magalhães (Augusto Cezar de Magalhães), nascido no Ceará em 1889 e vivido até 1941, cinqüenta e dois anos de profícua produção literária. A maioria da produção é poética, restando algumas peças em prosa.

O escritor não datou toda a sua obra. A mais antiga é de 1908 e a mais recente, de 1925. Há um poema publicado no jornal Nação Brasileira, em 1927 e outro publicado no Jornal das Moças, em 1937.

E as não datadas? Estariam compreendidas entre 1908 e 1925? De 1925 a 1941 o poeta não teria produzido mais nada? Não é provável.

No caso e aqui, este problema de datas não é tão importante, visto que, supomos, é a temática que nos vai dar a direção para uma abordagem da obra de Augusto de Magalhães. É por isso, amigo Cezar, que você, em certo momento, pensou em dividir a produção poética em Religiosas, Familiares, Políticas, Amorosas, Natureza, outras.

Duas peças, entre as muitas, achamos deveras interessantes: “É Mui Tarde” (poesia) e “Bentevi” (prosa). “É Mui Tarde” é uma composição de 28.11.1908 (Fortaleza-Ceará), tendo o poeta dezenove anos. É um poema muito bem elaborado, chegando ao preciosismo. Rimas em A,B,C,D, composto em arte maior,isto é, onze sílabas poéticas, com cesura obrigatória na quinta sílaba, onde ocorre a rima interna, constituindo-se num recurso de grande efeito musical e rítmico. Apresenta cinco quadras com acentuação em 2, 5, 8,11. Há rimas constantes e misturadas. Deve-se ressaltar a adjetivação do poema que, aliás, é uma tônica em toda a obra. A donzela, por exemplo, é casta, é bela, é tranqüila, é perfumada (doce jasmim), tem os olhos negros e o rosto moreno. É um poema romântico, como é toda a produção literária do escritor. Além da subjetividade, do poder criador ligado ao sofrimento, do poeta torturado, pode-se identificar o romantismo pela seleção do vocabulário.

“Bentevi” é a estória de Rosália que, vivendo em um lugar ermo, quase retirado da civilização, mas rodeado de flores odoríferas. “Achava-se tão feliz e tranqüila que muitas vezes julgava estar no meio dos anjos, na corte celeste”. Havia o bentevi que quase todas as tardes vinha alegrar sua inocente vida. “Rosália amava”. E quando o bentevi não vinha, ela chorava copiosamente.”O canto da ave era o único lenitivo que encontrava às dores que o amor lhe proporcionava”. O pássaro que era o mensageiro dos seus amores, assim como a alegrava, a fazia chorar, na sua ausência. E, numa lúgrube tarde, veio trazer-lhe a derradeira mensagem: a morte de seu amado. Rosália “deitou a correr campo à fora... Não se soube mais notícias dela”. Também nunca mais se ouviu o canto do bentevi, no pau-darco. É uma estória romântica, em que os amantes separados e, pelo menos um deles apaixonado, identifica em um objeto (canto do bentevi) a mensagem amorosa do outro. A partir daí, o canto do bentevi já não interessa mais a ninguém.

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