Escuta Sonora
Recepção e cultura popular nas ondas das rádios comunitárias
Catarina Tereza Farias de Oliveira
A juventude vive hoje um
tempo de incertezas marcado por muitas perdas e carências, mas também
por brechas inesperadas que precisam ser ocupadas e alargadas através de
táticas e estratégias. Por um lado os jovens enfrentam muitas dificuldades
para conseguir a formação profissional que as empresas exigem e,
por isso, vivem uma insegurança muito grande quanto a uma possível
inserção adequada no mercado de trabalho. Por outro lado, avanços
tecnológicos em ritmo cada vez mais acelerado exigem deles conhecimentos
e habilidades novos, mas permitem também o acesso a novos meios de comunicação
anteriormente inatingíveis, principalmente para os jovens das camadas populares.
É nesse cenário contemporâneo, localizado no Nordeste brasileiro,
que a autora deste livro vai construir a problemática original da sua investigação
de caráter qualitativo: as rádios comunitárias organizadas
por movimentos sociais e culturais populares e geridas por jovens e crianças
das classes menos favorecidas. Dentre as muitas visitadas e indicadas a uma primeira
análise avaliativa, duas se impuseram como objeto de estudo para a pesquisa
que originou este livro: a rádio MANDACARU FM, localizada em um bairro
periférico de Fortaleza e a CASA GRANDE FM, situada na cidade de Nova Olinda,
a 560 km da capital cearense.
As trajetórias de vida pessoal e universitária,
contemplando a participação em movimentos populares e o envolvimento
com pesquisas e trabalhos de extensão que enfocavam as possibilidades comunicacionais
acessíveis às classes populares, deram a autora um domínio
privilegiado dos campos onde se situava o objeto investigativo escolhido: as rádios
alternativas organizadas por movimentos sociais e culturais populares e os processos
educativos elaborados por essas emissoras, examinados não só através
da sua programação, mas também a partir de entrevistas com
os receptores. Também, uma cuidadosa observação participante
enfocando as diversas maneiras, individualizadas ou coletivas, de como a recepção
da programação acontecia foi fator importante na construção
deste trabalho que, situado na intersecção dos campos da comunicação
e da educação traz contribuições importantes e originais
para essas duas áreas de conhecimento.
Uma outra característica
da realização do trabalho de pesquisa que resultou neste livro que
gostaria de partilhar com vocês é que, apesar das dificuldades acima
apontadas, das grandes distâncias a serem enfrentadas, o prazer de pesquisar
e de descobrir aspectos novos, característicos da realidade observada,
sempre estiveram presentes durante a realização do trabalho investigativo,
além de uma certa ousadia e muito entusiasmo no enfrentamento de desafios
ainda pouco conhecidos, seja no campo da comunicação popular, seja
na área da educação não-formal, via rádio-difusão.
Gostaria de apontar alguns aspectos importantes das conclusões
da pesquisa acima descrita e que serão discutidos, ao longo deste livro,
no sentido de iluminá-los para que o leitor não deixe de percebê-los.
Como diz a própria autora na introdução: Dentro dos
interesses desta pesquisa observei que as rádios organizadas por movimentos
sociais e culturais populares, a exemplo das rádios livres francesas e
italianas, apresentam uma difusão mais explícita dos processos culturais,
demonstrando uma outra maneira de projetarem-se politicamente. Nas cuidadosas
observações que realizou, a pesquisadora se deu conta da existência,
na programação dessas emissoras, não só de aspectos
das mobilizações e reivindicações dos movimentos populares
que as haviam gestado, mas percebeu também que elas mostravam uma intensa
interação, tanto com a cultura de massa, como com os movimentos
culturais. Mas, essa presença massiva, em diálogo com o popular,
(principalmente com as produções da indústria fonográfica)
funcionava como uma espécie de ímã, atraindo novos ouvintes,
entretanto ela não constituía a essência da programação
das emissoras estudadas e permitia que a proposta educativa da rádio acontecesse
de maneira agradável e sedutora, como pede a educação não-formal,
sem deixar de contemplar as experiências culturais dos movimentos sociais
que elas representavam.
Um outro aspecto que marca a originalidade dessa
investigação científica no campo da comunicação
diz respeito à maneira que a pesquisadora encontrou para conhecer os processos
de recepção da programação das rádios estudadas.
Valendo-se de entrevistas com os ouvintes de diferentes faixas etárias
e, portanto, com integração diversa à sociedade de consumo
e ao mercado de trabalho e realizando, sempre que possível, minuciosa observação
participante, mas tendo como ponto de partida um exame cuidadoso da programação
da emissora analisada, ela constatou que os programas com caráter mais
próximo ao universo do consumo recebiam uma recepção mais
individualizada, enquanto aqueles que se ligavam aos movimentos culturais populares
eram objeto de uma recepção mais coletiva e articulada, através
de mobilizações dos próprios grupos de jovens neles interessados.Concluiu
ela, através deste trabalho que uma pesquisa de recepção
precisa abranger não só a relação dos receptores com
os conteúdos dos programas ouvidos, mas captar também o papel relevante
nesse processo, do universo cultural que envolve o contexto comunicativo onde
a recepção acontece.
Como essas acima apontadas, tenho certeza
que o leitor interessado nos processos de comunicação popular e
nos caminhos sempre novos e inusitados que a educação não-formal
é capaz de construir, encontrará neste livro discussões e
propostas instigantes para pensar esses dois universos, tão contemporâneos
e ainda tão pouco conhecidos. Desejo a todos uma ótima e prazerosa
leitura!
Campinas,
5 de fevereiro de 2007
Olga Rodrigues de Moraes von Simson
Diretora do Centro
de Memória da Unicamp