O texto literário é ficcional porque se baseia num enredo de situações e de personagens que não aconteceram efetivamente ou não existiram com o perfil integral que lhes foi atribuído, Um romancista como o premiado com Nobel, José Saramago, solta a narrativa sob o ímpeto indomável da imaginação, termo rico de raízes e de conotações, uma espiral de imagens esvoaçantes muito por cima da realidade. Apresentado, assim, como um efabulador de palavras imagéticas libertas de amarras logicas e realistas, é natural que seja lido e apreciado nesse registo. Porém, apesar da ideia, muito martelada, de que Literatura e História (reconstrução árdua de um passado ausente mas que foi presente real, ou seja, existiu) distinguem-se e até se opõem, o signo da complexidade faz-nos descobrir intimas relações entre elas. Relações inevitáveis, porque escritores como José Saramago escrevem a partir do que viveram e iam vivendo, do que pensaram e sentiram, deixando testemunho real do seu tempo. Ora, é esse testemunho que Maria Irene Fonseca e Sá, uma leitora singular, porque ágil em números e amiga de computadores, soube perscrutar na obra do romancista português, refugiado em Lanzarote, provando, com rigor e simplicidade, que o tempo histórico vivido, concreto, real (sempre em devir) é capturado sem mácula pela ficção e, deste modo, muito útil e necessário ao ofício do circunspeto historiador, “caçador de indícios” como sagazmente notou Carlo Ginzburg.
Doutor Armando Malheiro da Silva
Universidade do Porto
Faculdade de Letras / CITCEM
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