capa do livro

Uma tarde embalada pelo mar

Regina Taccola

O título é leve e poético. Mas não se enganem, o livro ilude desde o primeiro conto: “A magia está ano ar” nos embala como uma cantiga infantil ao falar de praia, de mar, atletas entrevistos através da nuvem de maresia, de sorvete e do crepúsculo, escandalosamente bonito. O dia está, faz questão de contar a autora, azul ultramarino, envernizado, cintilando de calor. Mas todo esse prazer, toda essa beleza, não são suficientes para libertá-la da indesejada lembrança da história de Isa. A perturbadora mulher que desapareceu, não se sabe como, ninguém mais viu.

Uma tarde embalada pelo mar é assim, um mosaico que não se encaixa porque formado por sobras, cacos e retalhos. Uma mistura instigante do simples e do denso, do mais deslavado romantismo à bruta concretude do real sombrio, do conto breve, quase crônica, ao relato que tira o fôlego pela insuspeitada irrupção do perverso. Nada mais parecido com a vida.

Porque Regina Taccola, médica e psicanalista, sabe que o inconsciente é a lixeira da mente, e que não adianta querer esconder e jogar lá o que machucou e doeu e acreditar que está resolvido, que assim acaba. Porque nada some, nada desaparece de verdade.

“No máximo, a gente incorpora, faz do fato, do trauma, da vivência cimento e tijolo para reconstrução de nossa vida e continuar a viver”, ela define num dos 20 contos do seu corajoso livro de estreia. Vinte contos que a gente lê em sobressalto, obrigada a uma pausa de tanto em tanto para respirar, porque a viagem de Regina é acidentada e irregular, seu percurso não desvia do inesperado e marginal, e seus relatos não buscam encobrir ou disfarçar os vestígios da memória de encontros com personagens singulares, espantosos, fronteiriços. O abismo está logo ali, ela sabe.

É surpreendente descobrir que, apesar dessa aparente dificuldade (em nenhum momento ela suaviza o texto para agradar o leitor), o tempo todo nos sentimos próximos da autora, porque tocados pelo cuidado com que elege a palavra mais certa para falar de medo e dor e contentamento e magia, como se dona de uma voz que reconhecemos, uma voz familiar e amiga e que podia mesmo ser a nossa. Como se falasse por nós.

Mãe, mulher, profissional bem-sucedida, intelectual, autora de sua trajetória, faltava talvez a Regina escrever e publicar o livro sonhado, tarefa para a qual se preparou desde sempre. Para isso, registrou tanto do que viu, ouviu e conviveu na sua vida cotidiana e na clínica e guardou durante anos esse acervo íntimo e precioso. Ela sabe seu trabalho e, no caminho, foi aprendendo a acolher, aceitar e proteger, apontar a porta da rua, a ser seca e dura. E a amar. E agora, com este livro que você tem em mãos, cumpre seu destino de artista e criadora e reafirma sua coragem de ser protagonista de sua história. Única.

Maria Christina Monteiro de Castro

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