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Uma Górgona na Gangorra

Denúncias e reflexões sobre a individualidade contemporânea

Mauro Bühler

Uma Górgona na Gangorra é uma coletânea de textos que critica o senso de individualidade contemporâneo, expondo diversas de suas idiossincrasias e tendências alienantes, abordadas em grande parte sob a perspectiva de sua capacidade de celebrar os vínculos, e também, de gerar sustento afetivo.

A individualidade contemporânea tem a pretensão da autonomia de sua vontade e de seu exercício de liberdade, porém, muitas vezes, não os baseia em uma realidade de mérito por um efetivo exercício diário de consciência e integração psíquica, mas sim em um processo que estimula simulacros e identificações que não endereçam dificuldades e camuflam carências em estratégias de poder. Articulações típicas de repercussões de comportamentos infantis.

O poder da vontade é culturalmente exaltado, mas quando exacerbado e tomado por complexos inconscientes e emoções estridentes vem produzindo inúmeras caricaturas, degradando as relações e até mesmo descaracterizando o serviço vinculado ao exercício de poder da governança coletiva. Há uma intensa produção imagética alheia à realidade do exercício simbólico capaz de organizar tanto a intimidade quanto a sociedade, resultando em muito isolamento emocional, em sofrimento e em degradação psíquica e social. Como terapeuta identifico a normalização de uma passividade e um senso de conforto alienante, muito sustentado por estímulos e anestesias; dinâmicas compulsivas que capturam muitas pessoas em torno do narcisismo da constante ocupação com representações que, paulatinamente, se afastam de uma averiguação da realidade e consolidam uma intensa projeção psíquica e uma nova forma de vilanização da diferença.

O exercício relacional que contempla a integração psíquica é a base do estabelecimento do sustento afetivo de uma pessoa, caminho para um senso de individualidade saudável e autêntico. Este, por sua vez, precisa residir na intimidade com o corpo e em nosso cotidiano.

A Górgona serve de alerta das consequências, uma imagem originária da mitologia grega que convoco para me auxiliar na consciência dos enredos destas formas de sedução, vaidades individuais e exacerbação do poder pessoal que produz muitos monumentos de degradação psíquica. Estratificações de infâncias afetivas em indivíduos governados pela falta, devoram a tudo e a todos que encontram pelo caminho.

Estamos gradativamente nos tornando refugiados subjetivos na medida em que nos alienamos de nossa participação na natureza e não a celebramos no mérito do exercício de nosso grande dom: a criação baseada na averiguação e na pergunta pela realidade, e sua significação como um meio de estabelecer nossa morada e valorizar nosso convívio. Um antigo senso de habitação vem sendo abandonado no entretenimento de uma gangorra, um jogo de poder que propõe uma espécie de prêmio hedonista aos que almejam a elevação. Jogo este que acomete a ricos e a pobres, igualmente banalizando e massacrando a vida.

Precisamos urgentemente endereçar o processo de terceirização dos esforços e a terapeutização do cuidado que vêm esvaziando as experiências necessárias para o desenvolvimento de nossas capacidades e para a consolidação de um senso de individualidade genuíno.

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