Família de negros
Entre a pobreza e a herança cultural
Sergio Mauricio Costa da Silva Pinto
Esse texto é
uma versão um pouco modificada da minha dissertação de
mestrado, defendida em outubro de 2005, no curso de Família na Sociedade
Contemporânea do Pontifício Instituto João Paulo II para
Estudos sobre Matrimônio e Família da Universidade Católica
do Salvador, na Bahia. Nele foram incorporados alguns esclarecimentos pertinentes
e algumas revisões sugeridas pela banca examinadora.
O tema trabalhado,
a família de negros, levou-me a algumas situações inusitadas.
Sempre que indicado por algum professor para expor o tema nalgum local ou participando
dalgum evento acadêmico, uma pergunta se fazia sempre presente, e era
quase sempre a primeira: Por que você?. O estranhamento se
dá por causa da minha cor. Sou um homem de tez e olhos claros, com ascendentes
lusitanos em ambos os lados da minha árvore genealógica, logo:
um branco. Por que, afinal, um branco de origem portuguesa se interessaria pelo
estudo da família de negros?
Ora, sou brasileiro,
e, mesmo não sendo de naturalidade baiana, vivi desde o final da minha
infância nessa terra. Sou um soteropolitano não nascido na Bahia.
E como um bom baiano, aprendi a amar e a viver a multiplicidade de influências
que construíram aquilo que hoje somos: brasileiros. A cidade do Salvador
é fértil terreno de observação desse fenômeno
cultural. Suas manifestações não são africanas,
nem européias, nem ameríndias, são autenticamente brasileiras.
E isso significa que todas essas influências estão presentes, ao
mesmo tempo, em cada um, em cada comportamento, em cada manifestação
cultural. Não sou, portanto, euro-descendente, nem seria afro-descendente
ou índio-descendente, porque todos nós somos essa mistura construída
no cadinho brasileiro, independente da cor da pele, do tipo do cabelo ou do
sotaque falado.
Certa feita, cheguei
a ouvir, após exposição de dados sobre a família
de negros, que eu seria um branco com olhar negro, pois conseguira,
na avaliação do falante, identificar algumas questões inerentes
ao universo da negritude. E, noutra ocasião, uma militante negra indignada
chegou a afirmar que eu não teria condições de estudar
o objeto pretendido por não ser negro, e que minhas observações
e análises estariam sempre marcadas pela minha cor. Esse é o tipo
de visão a que me contraponho. Esse tipo de afirmação,
quando se trata de pesquisas que se pretendam científicas, é estranho
e, em última análise, inviabiliza a própria prática
científica. Mas isso é discutido com mais propriedade no texto
apresentado.
E por que a família?
Isso se deu como conseqüência da minha atuação voluntária
em instituição de caráter filantrópico, a Fundação
Lar Harmonia, e o seu trabalho de atendimento às famílias carentes
no bairro da Paz, na periferia de Salvador. Nutria certa curiosidade pelas especificidades
familiares daquele contexto social, pois o contato intenso com as famílias
revelava uma organização diferente daquela comumente imaginada
pelo senso comum. A marcante presença de famílias monoparentais
com chefia feminina, as diferentes condições conjugais, as relações
culturais dentro do ambiente familiar, dentre outros aspectos, são o
leitmotiv do meu estudo sobre a família na periferia. O objeto
família começou a despertar o desejo de conhecimento mais apropriado,
e o mestrado na Universidade Católica do Salvador veio a calhar como
a oportunidade de desenvolvimento desse projeto científico.
Agradeço
à minha família, pois sem o apoio, a compreensão e a paciência
da minha querida Mônica e de nossos filhos, Sergio, Maíra e Vanessa,
em virtude de minhas longas ausências das atividades familiares, imerso
em leituras e escritas, esse trabalho jamais seria concretizado. Também
aos meus amados pais, Zé Carlos e Zete, por terem-me dado a oportunidade
de alcançar esse estágio da minha vida acadêmica, investindo
e acreditando em mim, desde a minha chegada a esse mundo. Agradeço ainda
aos meus irmãos, Júnior, o Zé Carlos, por quem cultivo
admiração extremada, modelo de atuação científica
na Coppe/UFRJ, que me propiciou a oportunidade para a realização
desse livro, e Cristina, que me auxiliou na tradução de diversos
textos em francês, suprindo as minhas muitas deficiências com essa
língua.
Agradeço
aos meus avós pelo sentido de família que construíram em
mim, pois ainda trago vivos em minhas lembranças momentos de alegria
incomensurável que só se podem experimentar em família.
A eles, in memoriam, dedico este trabalho.
Agradeço
ao professor Elias Lins Guimarães, orientador e amigo, que com seu jeito
tranqüilo e atencioso conduziu-nos, seus mestrandos, ao final do caminho.
E à professora Mary Garcia Castro, orientadora que também soube
nos encaminhar para o bom termo. Agradeço aos colegas de mestrado, demais
professores e funcionários do Pontifício Instituto João
Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Família da Universidade
Católica do Salvador, pelo apoio, a atenção, a simpatia
de todos e a qualidade nos serviços prestados.
Agradeço
à Fundação Lar Harmonia, representada pelos amigos Adenáuer
Novaes, Cristiane Silveira e Edlene Simplício, pela disposição
e atenção ofertadas, sem as quais não teria realizado parte
dessa pesquisa.
Agradeço
à Velha Mulata, a minha querida cidade do Salvador, que me acolheu de
braços e colo sempre maternais, como uma urbe dOxum, por quem nutro
um sentimento de afeto profundo e que me inspira, andando pelos seus largos
e ruas, um desejo de compreensão da sua história, da sua memória,
da sua realidade... Como a me lembrar de momentos antigos que talvez já
tenha vivido por aqui...
Sergio Mauricio Costa da Silva Pinto