capa do livro

Barra da Tijuca

O presente do futuro

Carlos Eduardo Nunes-Ferreira

“O futuro é a Barra da Tijuca” (Cena inicial do filme Redentor)

A Barra da Tijuca é o bairro da cidade do Rio de Janeiro com maior crescimento nos últimos 50 anos, mas ainda são poucas as publicações que tratam desse tema. Esse crescimento, por si só, já justificaria este trabalho, pois é na Barra da Tijuca que irá morar ou trabalhar boa parte dos cariocas deste século XXI. Mas, tanto para o leigo quanto para o especialista, debater a Barra da Tijuca torna-se ainda mais relevante porque o bairro apresenta, superpostas e combinadas, três diferentes camadas que correspondem a diferentes visões sobre a cidade contemporânea – a cidade que foi e está sendo pensada e construída nos séculos XX e XXI. Definirei, mais tarde, essa superposição e combinação como um híbrido urbano, pois essas camadas, embora de origens diferentes, podem ser vivenciadas simultaneamente na Barra da Tijuca de hoje.

A primeira camada foi o Plano Piloto para a Barra da Tijuca (1969), de Lucio Costa, mesmo arquiteto e urbanista autor do Plano Piloto de Brasília (1957-1960). Inspirado nos princípios do urbanismo moderno de Le Corbusier, tal como fizera para Brasília, Costa estabeleceu o modelo, as diretrizes e os parâmetros a serem seguidos na Barra da Tijuca.

A segunda camada surgiu a partir dos anos 1970, com a aplicação extensiva da chamada urbanização dispersa, uma forma de ocupação inspirada nos subúrbios norte-americanos de classe média com suas highways, shopping malls e gated communities; ou, na versão brasileira, autoestradas, shopping centers e condomínios fechados. Na última camada, encontram-se as características reunidas na expressão “cidade genérica”, cunhada, em 1994, pelo arquiteto, urbanista e pensador Rem Koolhaas para descrever os bairros de expansão das metrópoles emergentes de países como os conhecidos por BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, na sigla em inglês). A cidade genérica é, portanto, a que emergiu na virada do século XX para o XXI.

No entanto, as teorias do urbanismo mais recentes tendem a privilegiar ainda uma quarta visão, oposta a essas três: o modelo da cidade compacta, como, por exemplo, o da tão valorizada Zona Sul do Rio de Janeiro. É uma visão que prega a revitalização dos centros históricos consolidados e incorpora modalidades de transporte urbano mais coletivas ou que usam formas de energia mais amigáveis com o meio ambiente (como os sistemas de ônibus BRT e BRS, os sistemas sobre trilhos como trem, metrô e VLT, além das bicicletas ou até automóveis de aluguel rápido). No Rio de Janeiro, em especial, a perspectiva da realização de dois grandes eventos esportivos de escala mundial (a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016) trouxe este choque de visões para o centro da questão urbana. Embora os planos apresentados inicialmente aos órgãos internacionais responsáveis pelos dois eventos (Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) e Comitê Olímpico Internacional (COI)) tivessem a Barra da Tijuca como polo principal de investimentos, revisões posteriores dos dois planos, promovidas pela própria Prefeitura Municipal com o aval do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), redistribuíram importantes instalações esportivas, residenciais e de apoio, colocando-as no centro histórico, em geral, e na região do chamado Porto Maravilha, em particular. Contudo, a Barra da Tijuca continua sendo o bairro com o maior aumento de população da cidade, o maior número de lançamentos imobiliários, sejam residenciais ou comerciais, e com a maior previsão de aumento do número de hotéis.

Tem-se tornado comum afirmar que toda cidade deve ter um sonho, uma imagem e um projeto de futuro. Portanto, é preciso conhecer a história da ocupação da Barra e avaliar o modelo e suas implicações, riscos e potencialidades, para que se possa entender esse sonho e esse projeto de bairro e de cidade.

Este livro surgiu de uma experiência pessoal, urbana e acadêmica, que tomou forma originalmente na tese de doutorado intitulada Barra da Tijuca, um exemplo híbrido de cidade contemporânea – de Ville Contemporaine a Generic City, desenvolvida sob orientação do Prof. Dr. Roberto Segre no Programa de Pós-graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Prourb/FAU/UFRJ).

Em 1996, um grupo de arquitetos e urbanistas recebeu da Universidade Estácio de Sá o desafio de criar o primeiro curso de arquitetura e urbanismo a ser oferecido na Barra da Tijuca. Três anos mais tarde, eu me tornei diretor do curso. O projeto de tese que trata da Barra da Tijuca foi apresentado ao Prourb em 2003. Dois anos depois, tomei uma atitude algo radical: mudar-me para bem perto do trabalho e para a área de estudo da tese. Trocar a amada Ipanema pela desconhecida Barra da Tijuca foi uma decisão audaciosa e muitas vezes questionada pelos amigos da Zona Sul.

Desde então, minha visão sobre a Barra da Tijuca ganhou a legitimidade da experiência e perdeu a miopia da alteridade. Inspirei-me, em boa parte, no trabalho crítico de Robert Venturi, para quem sempre devemos “questionar como nós vemos as coisas”, retardando juízos, pois “uma maneira de o arquiteto ser revolucionário” é “aprender com a paisagem existente”.

Teve a força de um insight um comentário da renomada arquiteta Zaha Hadid. Ao ciceroneá-la em uma visita à Casa das Canoas, de Oscar Niemeyer, decidi esticar o passeio descendo da Floresta pela Barra da Tijuca. Ao vislumbrar, do alto, a vista panorâmica do bairro, ela exclamou, para o meu espanto, algo como: “Parece um daqueles novos subúrbios chineses.”

Alguns anos mais tarde, estive com o próprio autor do conceito de cidade genérica, Rem Koolhaas, agora em visita ao Pedregulho, o magnífico conjunto habitacional de Afonso Reidy, sempre por intermédio do amigo arquiteto Israel Nunes. Koolhaas acabara de cruzar a Barra da Tijuca, após almoço em um dos charmosos restaurantes de Barra de Guaratiba. Mostrei-lhe meu trabalho, já impresso para entrega na Universidade. Ele demonstrou forte interesse pela estreita relação entre o conceito e o exemplo prático carioca.

A tese foi apresentada e aprovada em 28 de julho de 2008. Como sou um nômade contumaz, que já teve mais de 20 endereços ao longo de 50 anos, tudo indica que novas mudanças estão a caminho. Este livro é minha contribuição para que mais pessoas conheçam e reflitam sobre este território quase inexplorado intelectualmente e minha retribuição à Barra da Tijuca pela excelente década ali desfrutada.

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