Usabilidade de interfaces web
Avaliação heurística no jornalismo on-line
Antonio Luis Lordelo Andrade
Com o advento das
Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC),
a sociedade contemporânea se depara com formas de interação
inovadoras que refletem na sua estrutura institucional e social. Apesar das disparidades
socioeconômicas presentes entre as diversas regiões do planeta, que
ditam o grau de avanço tecnológico de cada nação,
esta interferência no cotidiano alcança desde as relações
comerciais, científicas, tecnológicas, cooperativas e políticas
até as relações pessoais, dada a velocidade e a forma com
que informações podem ser obtidas ou transmitidas (LÉVY,
1999; ALCÁZAR, 2003).
Nesse contexto, a Internet, a rede mundial de computadores, apresenta-se como
um dos fatores que vêm ampliando esta influência das NTIC no comportamento
do mundo atual. A interconexão virtual de vários pontos em todo
o mundo permite que a comunicação seja estabelecida de forma ágil,
provocando reações quase que instantâneas a novos fatos e
notícias.
Assim, o jornalismo encontra nesse ambiente virtual um espaço propício
para a superação de obstáculos impostos pelo método
convencional, como as limitações de espaço e tempo, expandindo
posteriormente para o surgimento de formas diferenciadas de narração
do fato jornalístico, explorando diferentes formatos midiáticos
e estratégias de interação com o leitor. A partir de então,
outras características como interatividade, multimidialidade, hipertextualidade,
personalização e memória (PALACIOS, 2003), produz uma nova
forma de transmissão de informações e notícias, o
jornalismo on-line.
De acordo com Machado e Palacios (1997), até o final da década de
1980 a produção jornalística na Internet se limitava a serviços
de notícias especializadas oferecidos por servidores, como o American
Online.
Atualmente as publicações digitais são veiculadas na forma
de sites da web, utilizando diversos recursos de hipertexto e interação,
e em muitos casos destinados exclusivamente à Internet, rompendo a sua
vinculação com as versões impressas e explorando de maneira
mais eficaz o potencial agregado por esta mídia, caracterizando assim o
jornalismo on-line de terceira geração (MIELNICZUK, 2003b).
O número cada vez maior e mais diverso de recursos disponíveis suscita
uma maior ou diferente atenção sobre a relação do
leitor, agora leitor/usuário, com as mídias contemporâneas,
especificamente os jornais on-line. A sua relação com os
instrumentos que possibilita o seu acesso ao conteúdo digital passa a ser
alvo de maior preocupação, pois apesar da força e qualidade
que possa ter o conteúdo, o usuário pode ser levado a abandonar
o jornal ao se deparar com situações que dificultem a localização
de informações.
Andrade (2003), enfatiza que o desenvolvimento de interfaces gráficas deve
seguir recomendações e critérios ergonômicos e da comunicação
visual. Aspectos como cor, agrupamento de informações, tipologia,
gestão de erros, dentre outros, precisam ser observados e cuidadosamente
trabalhados para que a interface seja transparente e ainda, ao invés de
se tornar um fator distrator, atue como um instrumento facilitador para atuar
no conjunto de variáveis que podem otimizar a recepção de
mensagens.
O uso da expressão transparente ao se referir a uma interface
suscita uma série de discussões em torno do próprio conceito
de interface e os diferentes graus de sua visibilidade e desejabilidade ou não
de tal visibilidade. Neste trabalho, não nos aprofundaremos sobre este
tipo de questão e remeteremos o leitor a obras e autores voltados para
essa temática, como, por exemplo, Bolter e Gromala (2003), Scolari (2004)
e Johnson (2001). Usei transparente, neste trabalho, para caracterizar uma interface
que não se interpõe entre o usuário e o conteúdo,
mas pelo contrário, conduz o usuário ao conteúdo.
Nesse sentido, os jornais on-line devem dispor de uma interface que possibilite
aos leitores/usuários uma sensação de bem-estar durante a
navegação ou manipulação da interface, sem que seja
necessário competir sua atenção com o conteúdo informativo
em foco.
Steffanelli (2002) ressalta que interfaces desenvolvidas exclusivamente por profissionais
de informática acabam incorporando elementos desnecessários e ou
efeitos distratores que provocam a dispersão do usuário ou até
mesmo sua inadaptação. Assim, o desenvolvimento de interfaces gráficas
deve envolver profissionais de outras áreas do conhecimento, agregando
subsídios importantes para uma maior interação homem-computador
(MATIAS,1995; HIRATSUKA, 1996).
Bolter e Gromala (2003) fazem uma analogia entre o desenvolvimento do livro impresso
e a importância dos projetistas de interface para o aprimoramento de interfaces
gráficas em direção à satisfação do
usuário: [...] se artistas da computação gráfica
estão tentando competir com os pintores do Renascimento, os designers de
interface estão tentando fazer para o computador o que Jan Tschichold e
os designers gráficos modernos fizeram pelo livro impresso. Eles estão
tentando tornar seus projetos simples, claros, transparentes em outras
palavras, usável (p. 40) .
A ergonomia pode dar conta de questões dessa natureza, pois tem como papel
fundamental à adaptação do trabalho ao homem, para tanto
estuda o relacionamento entre trabalho, homem, equipamentos e ambiente (LIDA,
1990).
O termo ergonomia, derivado do grego ergon (trabalho) e nomos (normas,
regras, leis), passa a ser adotado oficialmente em 1949, com a criação
da Ergonomics Research Society, uma sociedade de caráter multidisciplinar
que reunia psicólogos, fisiologistas e engenheiros (CYBIS, 1998; PEQUINI,
2005). Segundo Moraes e Montalvão (1998), o termo ergonomia tem sido
utilizado nos países europeus e no Brasil, entretanto, em países
como Estados Unidos e Canadá a denominação utilizada para
esta ciência tem sido human factors (fatores humanos), embora já
se estabeleçam discussões para a incorporação do termo
ergonomia como denominação oficial.
A ergonomia (ou fatores humanos) é uma disciplina científica relacionada
ao entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos
ou sistemas, e à aplicação de teorias, princípios,
dados e métodos a projetos a fim de otimizar o bem-estar humano e o desempenho
global do sistema (ABERGO,2002 p. 1).
Nesse sentido, as tecnologias envolvidas no processo de trabalho devem se adaptar
às necessidades do homem. Esta preocupação deve estar presente
desde a fase de projeto de uma tecnologia e ainda em todo seu ciclo de vida, identificando
novas necessidades que podem ser posteriormente adicionadas.
Com os recorrentes avanços tecnológicos na área da informática,
a ergonomia passa a ter um olhar não somente sobre os aspectos físicos
e biomecânicos, mas também para os sistemas informatizados (HIRATSUKA,
1996). Nestes é preciso considerar as habilidades e capacidades perceptivas
e cognitivas humanas, além das características da tarefa a ser desenvolvida,
permitindo assim o desenvolvimento de sistemas adaptados aos usuários e
suas tarefas, possibilitando um aprendizado mais rápido, fácil e
com menores taxas de erro (CYBIS, 1998).
Segundo Silva (1998), a ergonomia busca conhecer como os usuários de sistemas
informatizados percebem a tarefa a ser executada, como interagem com a máquina
e como processam o conhecimento, fazendo uma transposição do modelo
mental para o sistema computacional. Destacamos então, a usabilidade como
a área que está relacionada com a capacidade de um produto
ser facilmente usado (ABNT, 2002, p. 19). A usabilidade, então, envolve
o estudo da capacidade, em termos funcionais, humanos, de um sistema ser
usado facilmente e com eficiência pelo usuário (SANTOS, 2000,
p. 21).
O objetivo não é a limitação das ações
do usuário, mas sim o implícito estabelecimento de um contrato entre
o usuário e o projetista da interface, fazendo a navegação
parecer uma atividade automática, lançando mão de outros
dispositivos de navegação apenas quando considerar necessário
(SCOLARI, 2004).
Nesse sentido, a interface também não pode ser vista unicamente
sob uma perspectiva artística, já que a função do
artista está em destruir o automatismo da percepção
para criar um efeito de estranhamento que surpreenda o leitor ou espectador da
obra (SCOLARI, 2004 p. 220).
Assim, o automatismo é reforçado pelo mesmo autor, afirmando que
a mente não pode voltar toda a sua atenção para duas tarefas
ao mesmo tempo, uma delas deve ser automatizada. No âmbito da usabilidade,
a intenção é concentrar o usuário nos seus principais
objetivos de interação, evitando que tenha de dispensar atenção
extra a outros elementos ou dispositivos de navegação.
Um exemplo simples e adequado a nosso objeto de estudo é a forma de apresentação
dos links. O leitor de um jornal on-line, ao acessar sua página
inicial, percorre sua extensão observando os conteúdos que lhe são
oferecidos. Suponha que se interesse por uma imagem publicada relacionada a uma
notícia. Não cabe ao usuário ter de verificar onde deve clicar
para ter acesso ao conteúdo. A interface deve estar preparada, primeiro
para indicar claramente onde está o link, seja pelo uso de cores,
tipos sublinhados ou outras estratégias, e segundo, permitir que o usuário
tanto possa clicar no link indicado como na própria imagem, que
foi seu foco inicial de atenção, ou mesmo no resumo que descreve
a notícia.
É preciso, então, que sejam realizados estudos que visem a criação
de interfaces que estejam em consonância com os princípios de usabilidade.
No entanto, criar um ambiente para jornalismo on-line não é
uma tarefa simples, nem é o objetivo deste estudo, porém é
possível ampliar a discussão sobre os elementos que podem interferir
de maneira positiva ou negativa na navegação do usuário em
busca de conteúdo jornalístico.
Nesse sentido, e como veremos em detalhe neste trabalho, diversas técnicas
corroboram para identificar possíveis problemas de interfaces gráficas,
em especial, os métodos de avaliação de usabilidade, como
a avaliação heurística, os testes com usuários, revisão
de guias de recomendações, avaliação de usabilidade
intercultural, avaliação de acessibilidade, percurso cognitivo,
dentre outras (HOM, 1998; NIELSEN; MACK, 1994; SANTOS, 2002; SHNEIDERMAN, 1998).
Ratificada por Santos (2000), a usabilidade ainda é um tema com poucas
publicações resultantes de pesquisas na área, o que suscita
um esforço pela realização de estudos para o desenvolvimento
de competências e habilidades sobre o projeto e avaliação
de interfaces, proporcionando assim um ganho de desempenho, satisfação
e produtividade para o usuário.
No âmbito do jornalismo on-line esse problema se exacerba. Apesar
da existência de um grande e crescente número de trabalhos e estudos
nesta área, de forma geral, no que se refere à usabilidade a realidade
se transforma. Procedendo a uma extensa busca em periódicos nacionais e
internacionais encontramos um volume muito baixo de publicações
abordando o jornalismo on-line sob esta ótica, a exemplo de Andrade
(2005), Åkesson (2003), Donaghy(2002), Gómez (2004), Mariage e Vanderdonckt
(2000), Noci (2005), Ocaña (2002) e Souza (2001).
Vale ressaltar que não existe um modelo de avaliação de usabilidade
voltado especificamente para o jornalismo on-line. Neste trabalho, utilizarei
métodos aplicados a interfaces genéricas de sistemas computacionais,
os quais têm sido aplicados com relativo sucesso em interfaces gráficas
para web, conseguindo identificar problemas de usabilidade nas mesmas.
Diante do exposto, o objetivo geral deste estudo é estabelecer uma discussão
inicial sobre a questão da usabilidade de interfaces em jornais on-line.
Para tanto, irei proceder a uma avaliação heurística de usabilidade
de um jornal brasileiro.
A avaliação heurística é um método, de inspeção
de usabilidade, baseado na observação de um conjunto de princípios
desenvolvidos por Nielsen e Molich (1990), denominados heurísticas de usabilidade.
De acordo com o modelo proposto pelos autores, um grupo de três a cinco
avaliadores percorre individualmente a interface, em busca de problemas relacionados
a alguma destas heurísticas que, depois de classificados sob graus de severidade
(importância), são consolidados, gerando uma lista única de
problemas de usabilidade da interface. Como discutiremos mais amplamente no Capítulo
3, Nielsen (1994) defende que o envolvimento de cinco avaliadores permite atingir,
de modo geral, 75% dos problemas existentes em uma interface. Estes avaliadores,
não são necessariamente usuários da interface, mas sim, especialistas
em usabilidade.
Este estudo se baseia em uma perspectiva qualitativa, caracterizando-se como uma
pesquisa descritiva. Nesse sentido, o intuito do estudo é descobrir e observar
fenômenos, descrevendo-os, classificando-os e interpretando-os, contudo
sem buscar interferir ou modificá-los (GIL, 1996; RUDIO, 1997), já
que, como descrevemos, a avaliação apenas diagnostica os problemas
de usabilidade, sem emitir proposições para sua solução.
Como método à pesquisa será baseada em um estudo de caso
(YIN, 2005).
Não pretendemos com este trabalho esgotar o tema, nem propor um modelo
definitivo de avaliação para o jornalismo on-line. Como veremos
adiante, os métodos de avaliação são fortemente ligados
a seu contexto de uso, o que faz com que cada um deles tenha seus aspectos positivos
e negativos, a depender do ponto de vista que são observados (JEFFRIES
et al., 1991; KARAT, 1990; DESURVIRE, 1994; SANTINHO, 2001).
Utilizamos aqui o método de avaliação heurística por
considerá-lo de fácil execução e aprendizado, além
de proporcionar uma satisfatória abrangência dos problemas de usabilidade
de interfaces, o que leva a uma boa relação custo-benefício,
tornando a avaliação de usabilidade algo possível de ser
realizado, não sendo necessário envolver um grande conjunto de instrumentos
de laboratório para a coleta e análise de dados.
Estrutura do Livro
Este trabalho está agrupado em cinco capítulos, que visam conduzir
o leitor no entendimento dos métodos utilizados para a avaliação
de interfaces gráficas, culminando na análise dos resultados da
sua aplicação sobre um jornal brasileiro, a saber: o JB Online.
No Capítulo 1, Jornalismo On-line: Características
e Interfaces, apresento uma visão geral do jornalismo on-line
e suas principais características, enfatizando as definidas por Bardoel
e Deuze (2001), Palacios et al. (2002) e Mielniczuk (2003a), como elementos importantes
para a avaliação de usabilidade a ser realizada neste estudo. Nesse
momento, ressaltamos ainda a evolução do jornalismo on-line, situando
o jornal a ser estudado na classificação de gerações
de Mielniczuk (2003b) e observando sua evolução desde o seu lançamento
em 1995.
No Capítulo 2, Usabilidade e Seus Métodos de Avaliação,
reforço a necessidade do envolvimento de uma equipe multidisciplinar no
desenvolvimento de interfaces para o jornalismo on-line, que deve estar
atenta a diversos fatores ergonômicos, dentre eles a usabilidade. Abordo,
então, a área do conhecimento que se dedica a estudar aspectos que
possam colaborar para que uma interface satisfaça o usuário, atingindo
seus objetivos da melhor forma possível. Finalmente, apresento alguns dos
principais métodos de avaliação de usabilidade de interfaces
gráficas.
No Capítulo 3, Entendendo a Avaliação Heurística,
amplio a discussão sobre o método de avaliação heurística,
suas vantagens e desvantagens, assim como os procedimentos comumente utilizados
para a sua aplicação.
No Capítulo 4, Procedimentos para Avaliação Heurística
do JB Online, abordo os procedimentos utilizados para a realização
do método proposto, a avaliação heurística, apresentando
como foram selecionados os indivíduos participantes do estudo, as características
do processo de coleta de dados e como os dados são consolidados para a
geração de uma lista única de problemas de usabilidade. Finalmente,
trago uma seção com a descrição da interface a ser
avaliada (seção Descrição da Interface do JB
Online), permitindo que o leitor possa associar os problemas identificados
à interface que foi efetivamente avaliada, já que alterações
no layout podem ser efetuadas após a realização deste
estudo.
No Capítulo 5, Avaliação Heurística do JB
Online, apresento a avaliação heurística realizada
como estudo de caso neste jornal. Neste capítulo, são vistos os
resultados encontrados pela avaliação heurística e apresentado
o relatório dos problemas encontrados pelos avaliadores (seção
Relatório de Avaliadores); o relatório dos problemas
consolidados por grau de severidade (seção Relatório
Consolidado por Severidade), ou seja, a importância de cada problema
de acordo com uma nota dada por cada avaliador; o relatório de heurística
e sub-heurísticas (seção Relatório de Heurísticas
e Sub-heurísticas), no qual pode-se observar a ocorrência dos
problemas frente às heurísticas utilizadas no estudo e, finalmente;
o relatório do observador (seção Relatório do
Observador), com problemas identificados por um indivíduo que acompanhou
as inspeções realizadas pelos avaliadores. Estes problemas foram
colocados em um relatório em separado, pois não é um procedimento
obrigatório, logo, preferimos analisar o impacto que a sua utilização
teria sobre o diagnóstico de usabilidade.
Concluímos o trabalho, demonstrando a importância dos resultados
para colaborar com o desenvolvimento de interfaces para o jornalismo on-line
que privilegiem não só a apresentação do conteúdo,
mas como o usuário irá se relacionar com ele e com os demais mecanismos
de interação que são oferecidos.