Bairro Bom Jesus
Uma experiência de extensão universitária
No início
da década de 1920, do século passado, Santa Cruz do Sul passou
a registrar um significativo crescimento industrial na cidade. Junto a esse
crescimento relaciona-se, também, um aumento considerável de migrantes
vindos de outros municípios e da zona rural da região a procura
de trabalho. Essa migração deu origem a algumas vilas populares,
dentre as quais se destacou a Camboim, que neste período já era
considerada como a maior vila operária da cidade e devido ao seu distanciamento
da região central da cidade, ao seu crescimento rápido e desordenado,
veio a constituir-se como o primeiro bairro de periferia da cidade e, posteriormente,
recebeu o nome de Bom Jesus.
Moura (1996) conceitua periferia como:
"(...) um
lugar longe, afastado de algum ponto central. Todavia, esse entendimento meramente
geométrico não representa a verdadeira relação entre
o centro e a periferia da cidade. Neste caso, os afastamentos não são
quantificáveis apenas pelas distâncias físicas que há
entre os dois, mas, sim, revelados pelas condições sociais de
vida que evidenciam a nítida desigualdade entre os moradores dessas regiões
da cidade (p. 10)".
O Bom Jesus desde
seu início foi povoado por migrantes de outros municípios, constituído
em sua maioria por afro-descendentes. Sabe-se que a cidade de Santa Cruz do
Sul tem origem germânica, e esse fato foi relevante para a contrastante
situação de segregação, com uma nítida divisão
territorial entre as classes, que no decorrer na década de 1960 foi acentuando-se
cada vez mais, vindo a refletir esta realidade na valorização
e ocupação diferenciada do espaço urbano, pelos diversos
segmentos sociais envolvidos (WINK, 2002).
Segundo Oliveira
(2006) o crescimento populacional desenfreado nas cidades brasileiras nos últimos
40 anos e a falta de políticas públicas adequadas aumentou o processo
de favelização e periferização das cidades, gerando
percepções e discursos enviesados persistindo ainda, um campo
de força de estigmas territoriais sobre as periferias e favelas no Brasil
como traços do período escravocrata ligado ao corpo do negro.
O bairro Bom Jesus
possui em seu interior alguns nichos de miséria aguda, resultado do êxodo
rural, proveniente do interior do município. Nesses locais verifica-se
a precariedade da rede de saneamento básico, isso se deve a invasão
descontrolada de frações de terras disponíveis entre as
margens da BR-471 e a Sanga Preta. Essa região não recebe a atenção
do poder público municipal por tratar-se de área invadida, condicionando
os moradores dessa localidade a sobreviver em condições muito
precárias.
Nesse sentido
Motta (1996) retrata um quadro de periferia que é facilmente encontrado
no interior do Bom Jesus:
"Os moradores
da periferia, uma vez desatendidos em suas demandas urbanas básicas,
singularizam-se e tornam-se poluidores potenciais: a inexistência de coleta
de lixo regular e de boa qualidade obriga-os a servirem-se dos córregos
como sumidouros de seus dejetos. O parcelamento irregular dos lotes, assim como
a inexistência de calçadas, dificulta e desestimula a arborização
de vias. A inexistência de redes de esgotos faz com que as águas
servidas sejam despejadas em valetas e corram a céu aberto para os mesmos
córregos (p. 21)".
Na década
de 1950, o bairro Bom Jesus era visto como uma chaga que enfeia um corpo
bonito e lhe ameaça progressivamente minar todo o organismo (...) um
quadro deprimente que a cidade faz questão de esconder ou fingi ignorar.
Verifica-se que nos últimos 50 anos pouco foi realizado para reverter
esse quadro de precariedade social existente no Bom Jesus. Os problemas do bairro
permanecem ignorados por boa parte da sociedade santacruzense e esquecidos pelo
Poder Público municipal.
Tendo em vista
estes aspectos, este livro é uma tentativa de desestigmatizar o bairro
Bom Jesus, bem como de relatar uma experiência de extensão neste
mesmo Bairro. Para tanto, o livro está divido em alguns capítulos,
como forma de organizar o relato das experiências vivenciadas a partir
das atividades desenvolvidas ao longo de três anos no bairro referido.
No Capítulo
I, se tratará o desafio que foi articular um projeto de Extensão
a partir da Metodologia de Desenvolvimento de Comunidade em um bairro de periferia
de Santa Cruz do Sul. O Capítulo II apresenta este mesmo bairro em suas
características principais, a partir de um levantamento de dados realizado
no Bom Jesus quando do início do Projeto.
O Capítulo
III demonstrará de que maneira o Bom Jesus é estigmatizado, e
se, de fato, este estigma confere com a realidade do Bairro. Para tanto, foi
desenvolvida uma pesquisa de campo como forma de investigar estas questões.
O Capítulo
IV apresenta a experiência particular, no projeto de Extensão,
de uma aluna do Curso de Serviço Social, que participou do projeto como
estagiária e como bolsista de extensão. Neste capítulo,
a aluna relata três experiências distintas que teve no Bairro, apresentando
as atividades desenvolvidas e reflexões referentes.
O Capítulo
V também versa sobre as experiências obtidas por uma outra aluna
do Curso de Serviço Social, também bolsista do Projeto ao longo
dos três anos. Este capítulo é mais focalizado em uma atividade
específica que a aluna desenvolveu no projeto.
O Capítulo
VI ainda relata a experiência individual de outra aluna bolsista do Projeto.
Trata sobre um Projeto de assessoria voltado para a Associação
de Moradores do bairro Bom Jesus e de que forma esta aluna vivenciou e aprendeu
com esta experiência.
Para finalizar o livro, são apresentadas algumas considerações finais, como forma de deixar para o leitor alguns indicativos de conclusões acerca do Projeto de Extensão desenvolvido e também acerca do bairro Bom Jesus, lócus de todas as experiências vivenciadas e relatadas neste livro. Espera-se que com a elaboração desta obra esteja-se contribuindo para a desestigmatização do bairro Bom Jesus e também para que outras iniciativas de extensão se voltem para as comunidades, espaço rico e fértil de aprendizado e experiências.
Maira Meira Pinto