capa do livro

Consumo e Sociabilidades

Espaços, Significados e Reflexões

Sílvia Borges Corrêa, Michele de Lavra Pinto e Veranise Dubeux (Org.)

O consumo tem se revelado um aspecto dos mais relevantes na compreensão da sociedade contemporânea, seja pelo reconhecimento do surgimento de novas e renovadas formas de sociabilidade que reconfiguram hábitos, práticas, narrativas e sentidos de consumo, seja em função do advento de novos e variados espaços, mercadorias e comportamentos de consumo que impactam nas relações sociais contemporâneas. Logo, servem para produzir sistemas classificatórios a partir dos quais os grupos sociais demarcam fronteiras e diferenças entre si. A partir dessas ideias, é possível perceber que, no âmbito da cultura de consumo, o indivíduo moderno tem consciência de que se comunica por meio de suas roupas, aparelhos celulares, através de sua casa – significando do mobiliário, dos objetos de decoração, de seu carro, de suas atividades de lazer, dos lugares que frequenta – e que esses elementos, ou o conjunto desses elementos, serão interpretados e classificados em termos da presença ou da falta de gosto.

A proliferação de produtos e de serviços – isto é, de escolhas, uma característica da sociedade consumidora moderna – é essencial para que venhamos a descobrir quem somos. A identidade não deriva de um produto ou serviço consumido – não compramos identidades mediante nosso consumo de bens e serviços específicos, pois o local onde reside a nossa identidade pode ser encontrado em nossas reações aos produtos e não nos produtos em si – no entanto, é evidente que o que compramos e consumimos diz algo sobre quem somos. Monitorando nossas reações aos produtos, observando do que gostamos e do que não gostamos, é que começamos a descobrir quem “realmente somos”. Essa maneira de conceber a própria identidade é muito nova; basta perceber que as autodefinições de pessoas de outras épocas eram baseadas em elementos como família, trabalho, religião, raça, nacionalidade – e não por seus gostos por bebida, música, literatura e atividades de lazer, como se faz hoje (CAMPBELL, 2001, 2007).

Tendo essas reflexões como ponto de partida, nosso grupo de pesquisa intitulado Consumo e Sociabilidades, criado e registrado no CNPq em 2012, se propõe, em linhas gerais, a pesquisar o lugar do consumo na construção de sociabilidades contemporâneas, refletindo sobre as teorias acerca das sociedades e das culturas a fim de compreender o fenômeno do consumo em seus sentidos, suas percepções, suas práticas, seus rituais, suas transformações e seus impactos na vida social.

A atuação acadêmica do grupo está estruturada em duas linhas de pesquisas, cujos projetos a elas vinculados, somados às discussões mais gerais de caráter conceitual e metodológico, buscam aprofundar e gerar novos conhecimentos no campo do consumo. A linha Espaços de Consumo tem como objetivo a análise de diferentes espaços de consumo, entendendo-os como elementos privilegiados para a compreensão das dinâmicas urbanas no que tange ao consumo (tanto no que se refere às trocas como aos usos), ao trabalho, ao lazer e à sociabilidade; enfim, às relações sociais presentes no universo urbano contemporâneo. Pesquisas acerca dos espaços de consumo envolvem aspectos relativos às práticas de consumo e às formas de comercialização existentes, à interação entre comerciantes e consumidores, às disputas e aos conflitos existentes, aos arranjos de e com o comércio informal (cada vez mais presente nas cidades brasileiras), aos padrões estéticos e às configurações espaciais das lojas, às trocas simbólico-mercadológicas e às diferentes modalidades de compra e venda. É também de interesse desta linha de pesquisa analisar os significados, os discursos e as práticas de consumo para segmentos da população de diferentes níveis econômicos, faixas etárias, localizações geográficas, padrões estéticos, padrões alimentares ou outros elementos que possibilitem um recorte analítico dentro da sociedade. A linha de pesquisa Dinâmicas de Compra e Consumo tem como objetivo o desenvolvimento de pesquisas que abordem a análise das etapas e dos significados dos processos de compra, de usos e consumo e de descarte. Entre as questões estudadas estão aquelas relativas às relações estabelecidas entre pessoas e objetos – relações de vínculos, afetividades e rejeições, tais como compulsão e impulsividade, o colecionismo, a postergação e o anticonsumo. Pesquisas acerca das dinâmicas de compra e consumo buscam explorar o planejamento de compra, passando pelos usos e chegando ao descarte. Visando compreender estas dinâmicas podem ser estudados os significados da posse de bens e a implicação dessas posses para a formação da identidade dos compradores. Aspectos importantes ao entendimento destes significados passam pelos estudos de pré e pós-consumo, que abrangem teorias multidisciplinares, essenciais aos estudos de consumo.

Nos últimos meses de 2012, demos início a uma série de palestras, tendo como convidados pesquisadores interessados na temática do consumo. De maneira geral, as palestras proporcionaram reflexões acerca do papel desse fenômeno social na vida contemporânea, além das discussões específicas sobre cada um dos diferentes aspectos abordados pelos pesquisadores convidados. Neste livro reunimos alguns dos trabalhos que foram apresentados ao longo dos anos de 2012, 2013 e 2014. São textos que refletem a variedade de temas e questões, além das múltiplas abordagens conceituais e metodológicas, que o consumo propicia àqueles que dedicam-se aos estudos e às pesquisas desse campo.

No texto Consumo Consciente e a “Nova Classe Média Brasileira” – Uma Investigação Inicial, a pesquisadora Denise Barros apresenta um recorte de sua pesquisa sobre o que é ser um “consumidor consciente” por parte de indivíduos que se autodenominam como tal e são pertencentes à assim chamada “Nova Classe Média”. A autora aponta em seu trabalho que em todas as faixas de renda pesquisadas foi possível verificar que os julgamentos a respeito do termo “consumo consciente” são positivos, embora o grupo de entrevistados com menor faixa de renda atribua significados diferentes e bem específicos a tal forma de consumo.

As autoras Silvia Borges Corrêa e Michele de Lavra Pinto, no texto: A circulação e a vida social de móveis e eletrodomésticos: mediações entre a “favela” e o “asfalto”, analisam as dinâmicas sociais e culturais que permeiam as trajetórias de móveis e eletrodomésticos em lares de dois bairros [cariocas] de diferentes contextos socioeconômicos, Copacabana e Ipanema. As pesquisadoras analisaram como é construído o valor dos objetos, como é feita a avaliação dos significados e ressignificados dos objetos que circulam entre os lares, bem como as formas de sociabilidade presentes nessas dinâmicas.

Em Consumo, gosto e materialismo digital na rede social Pinterest, Carla Fernanda Pereira Barros analisa os sentidos da circulação e da fixação de imagens presentes naquela plataforma digital, criada em 2010, e promove a discussão em torno da ideia de materialismo no ambiente digital. Partindo de referencial teórico que analisa o hedonismo moderno e o gosto como elementos centrais na articulação de identidades sociais na contemporaneidade, o texto apresenta o Pinterest como um espaço privilegiado para a expressão de gostos particulares e de individualidades, bem como um território coletivo de contemplação de imagens de mercadorias.

No texto “Chamada a cobrar”: narrativas sobre telefones celulares na música popular brasileira, de autoria de Sandra Rúbia da Silva, tomamos conhecimento da rápida disseminação dos celulares do Brasil, apresentada através das estatísticas das últimas décadas, mas, temos também a exata noção de como o seu consumo em camadas populares é realizado dentro de um contexto de restrições do direito de comunicação, tendo em vista o alto custo das ligações telefônicas. Ao longo do texto, tendo como ponto de partida as letras de canções recentes de diferentes estilos musicais, a autora analisa a prática das ligações a cobrar, estratégia utilizada por muitos usuários de camadas populares, na tentativa de driblar os altos preços das tarifas.

O artigo Supermercado é coisa de mulher? Relações entre trabalho doméstico, compras e gênero, escrito por Maria Elisabeth Goidanish, revela, através de uma etnografia com mulheres de camadas médias na cidade de Florianópolis, uma reflexão sobre gênero e compras relacionadas ao abastecimento doméstico, assim como suas implicações nas divisões das tarefas domésticas. A autora evidencia que a mais “simples passadinha no supermercado” é carregada de significados, permitindo compreender como nossa sociedade se constrói e reproduz.

Gerenciamento da aparência e consumo: o que acontece quando as cariocas se mudam para São Paulo?, escrito por Solange Riva Mezabarba, se baseia na pesquisa sobre a observação de mulheres cariocas que vivem na cidade de São Paulo acerca do modo como se apresentam no espaço urbano. A autora analisa as expectativas das migrantes e o impacto que as formas de sociabilidade no novo território podem exercer em seu padrão de consumo, principalmente no quesito vestuário.

Fechando a coleção, o artigo Moralidade e Consumo: estudo de caso sobre o tabaco, de Patrícia da Rocha Gonçalves, realiza uma reflexão sobre os diferentes usos do tabaco através do cachimbo, charuto e cigarro a partir dos estudos da Antropologia do Consumo. A autora primeiramente descreve historicamente os usos e o consumo do tabaco, para posteriormente discorrer sobre a singularidade do cigarro, o estilo de vida e as suas implicações morais.

Todos esses trabalhos, gerados a partir de pesquisas empíricas, trazem à tona questões que estão diretamente ligadas ou que tangenciam à cultura material, aos objetos que nos circundam e que, ao fazerem parte de nossos cotidianos, “falam” sobre nossas visões de mundo, nossas vidas e nossos relacionamentos, criando, como lembra Miller (2007, p. 47), “uma compreensão mais profunda da especificidade de uma humanidade inseparável de sua materialidade.”

Esperamos que esta coletânea possa se juntar às outras recentes publicações brasileiras sobre consumo e contribuir para o entendimento das várias facetas deste fenômeno no país.

Veja também

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O fazer e o desfazer dos direitos

Experiências etnográficas sobre política, administração e moralidades

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Cidadãos e selvagens

Antropologia e administração indígena nos Estados Unidos, 1870-1890

Thaddeus Gregory Blanchette

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Economia Criativa

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O fazer antropológico e o reconhecimento de direitos constitucionais

O caso das terras de quilombo no Estado do Rio de Janeiro

Eliane Cantarino O’Dwyer