capa do livro

Povos indígenas, meio ambiente e políticas públicas

Uma visão a partir do orçamento indigenista federal

Ricardo Verdum

Burocracia, homogeneização e diferença étnica

É com grande satisfação que o Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced)/Setor de Etnologia e Etnografia/Departamento de Antropologia – Museu Nacional/UFRJ, por meio do projeto “Efeitos sociais das políticas públicas sobre os Povos Indígenas – Brasil, 2003-2018: Desenvolvimentismo, participação social, desconstrução de direitos e violência”, realizado com recursos da Fundação Ford, dá a público o presente volume, o primeiro de uma série de publicações que procurarão abordar diferentes aspectos das ações de Estado sobre a vida dos povos autóctones nessas primeiras décadas dos anos 2000.

Povos indígenas, meio ambiente e políticas públicas resulta do trabalho de, ao menos, duas décadas de Ricardo Verdum no acompanhamento da cena indigenista brasileira, em especial a partir da análise do que efetivamente constou nos planejamentos e execuções orçamentárias do Brasil da Nova República. Não poderia haver melhor viés do que esse – que aponta para as formas como a burocracia governamental destina recursos a ações das agências da administração pública – para nos fazer ver como “O Estado” (não) enxerga a diversidade social.

Recuperando, ainda que brevemente, a forma como se estabeleceu o padrão de alocação de recursos que hoje tem o nome de Plano Purianual, mas sem desprezar os Projetos de Leis Orçamentárias Anuais (PLOAs) para a análise do que se prometeu e do que se fez, Verdum mostra-nos como, nesses anos de governos do Partido dos Trabalhadores, os povos indígenas viram o reconhecimento de alguns de seus principais direitos (e o suposto papel do Estado de garanti-los) negociados em prol daquilo que ele adequadamente chama de “desafios da governabilidade”. Como já se pôde apontar em outra ocasião, os governos de Fernando Henrique Cardoso (01/1995-12/2002), apesar das extensas demarcações de terras indígenas na região da Amazônia com base em recursos da cooperação técnica internacional para o desenvolvimento e tendo deslanchado a política de saúde indígena, pouco ou nada deixaram institucionalizado como deveres de ­Estado em reconhecimento aos direitos indígenas: também naquele momento os povos indígenas, suas terras e os recursos naturais nelas contidos eram motivo de barganha em prol da “governabilidade”, ainda que não tenha sido assim que se sentisse à época.

As grandes expectativas depositadas pelos movimentos indígenas nos governos petistas, transformadas em grandes frustrações logo de saída, com o não cumprimento de promessas de campanha de demarcação de terras indígenas e o delineamento de um desenvolvimentismo insensível às questões socioambientais, se viram, em larga medida, ampliadas pela continuidade do quadro prévio de violência contra os indígenas em regiões como o Mato Grosso do Sul e o sul da Bahia. A truculência das ações antindígenas se viu regada pelo império crescente do agronegócio sob o boom das commodities, de onde se supunha extrair recursos para distribuir renda, inclusive para os indígenas, ainda que o Estado e o governo não enxergassem ali senão pobres, e não povos.

As três partes em que o livro se divide nos põem exatamente diante do parco investimento público nas questões próprias aos povos autóctones, já que o investimento em educação e em distribuição de benefícios mais gerais à população brasileira esteve pouco ou, por vezes, nada atento às especificidades indígenas. Tais “melhorias”, muito dúbias, surgiram dos ganhos gerados pelo avanço sobre as terras indígenas do agronegócio e do extrativismo mineral, com notáveis impactos sobre os recursos naturais. Por fim, vemos os efeitos desse cenário sobre o segmento específico das mulheres indígenas, que, nesses anos, assumiram um protagonismo essencial em numerosas áreas. Vemos, assim, como a burocracia governamental caminhou sempre e cada vez mais no sentido da homogeneização de situações em tudo diversas, que pouco cabem em planejamentos rígidos e que se afirmam como diferenças etnicamente significativas.

Este livro é, assim, leitura imprescindível para aqueles que querem entender os anos recentes e seus elos com o persistente passado colonial brasileiro. Esperamos que, sobretudo, os indígenas pesquisadores se beneficiem desses textos para um melhor entendimento dos processos sob os quais vivem e que hoje, como estudantes em universidades, buscam melhor esquadrinhar.

Antonio Carlos de Souza Lima
Professor Titular de Etnologia
Laced/DA-Museu Nacional-UFRJ

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